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Autor: ceribelli (Page 1 of 21)

O Óbvio Ululante

Artigo publicado em 15/04/1968. Parte da coletânea “O óbvio Ululante”, de Nelson Rodrigues.

Anteontem, falei dos idiotas. Sinto, porém, que disse muito pouco, quase nada. O assunto foi apenas insinuado, e repito: — o assunto está diante de nós como uma sibéria imensa, à espera de que outros a invadam, e a ocupem, e a fertilizem. E quem não percebeu a invasão dos idiotas não entenderá, jamais, o Brasil dos nossos dias.

Sei que em todo o mundo é assim. Mas, deixemos o mundo. Tratemos do Brasil. Dizia eu, na minha confissão de anteontem, que Magé me fascina mais do que o Vietnã. E, portanto, vou-me limitar aos idiotas da casa (o Paulo de Castro que cuide dos internacionais).

Outro dia, morreu Assis Chateaubriand. Disse “outro dia” e preciso fazer uma correção de tempo. Em verdade, morrera antes, muito antes de ser enterrado. Aquele homem chumbado à cadeira, entrevado, de riso torto, não era o Chateaubriand, era o anti-Chateaubriand, a negação do Chateaubriand. Mas, a sua queda ocorreu no momento exato.

Passara a época do “grande jornalista”. Sim, o “grande jornalista” teria de vagar, por entre as mesas, cadeiras e estagiárias das redações, como uma lívida figura sem função e sem destino.

Portanto, quem matou Chateaubriand não foi a trombose, mas a inatualidade. Pouco antes, morrera J.E. de Macedo Soares. Outro “grande jornalista”. Eu me lembro do que dizia Gilberto Freyre: – “Como escreve bem! Como escreve bem!” E, por isso mesmo, porque escrevia bem, tornara-se mais secundário, mais irrelevante, em nossa imprensa moderna, do que uma estagiária.

Quando morreu, teve nos jornais uma meia dúzia de linhas. Pompeu de Sousa, Danton Jobim e mais três ou quatro acompanharam o seu enterro. O “senador” era um estilista e, como tal, tornara-se mais antigo do que o fraque de Pinheiro Machado.

Penso no meu pai. Um artigo de Mário Rodrigues era lido, em voz alta, nos botecos mais analfabetos. E a pura delícia auditiva de sua prosa aumentava a tiragem do jornal em trinta mil exemplares ou mais. Era a época em que uma boa frase derrubava um Ministério. As instituições tremiam com uma penada do “grande jornalista”.

Ainda outro dia, um velho profissional chamou-me, a um canto. Simplesmente, queria sussurrar-me este conselho de uma sabedoria infinita: – “Não escreva bem, nunca, em hipótese nenhuma.” Ao dizer isso, arquejava de uma bronquite velha, nostálgica, de passadas gerações. E, de fato, o que importa, no momento, é ser idiota.

Nas minhas notas de anteontem, escrevi que o idiota sempre se comportara como idiota. Era de uma modéstia exemplar, de uma humildade total. Não em nossa época. De repente, em nossa época, o idiota explode.

Na minha infância, não passava do curso primário e já se dava por muito satisfeito. Nascia, crescia, namorava e morria sem jamais pensar por conta própria. Podiam pichar-lhe o túmulo com a seguinte inscrição: “Nunca pensou”.

O idiota era quase um santo.

O trágico da nossa época ou, melhor dizendo, do Brasil atual, é que o idiota mudou até fisicamente. Não faz apenas o curso primário, como no passado.

Estuda, forma-se, lê, sabe. Põe os melhores ternos, as melhores gravatas, os sapatos mais impecáveis. Nas recepções do Itamaraty, as casacas vestem os idiotas. E mais: – eles têm as melhores mulheres e usam mais condecorações do que um arquiduque austríaco.

Não sei se me entendem e se concordam comigo. Mas, é o próprio óbvio. A olho nu, qualquer um percebe a ascensão social, econômica, cultural, política do idiota.

Outro dia, passou por mim um automóvel das “Mil e uma noites”. Sim, um desses Mercedes irreais, com cascata artificial e filhote de jacaré. Lá dentro, ia um idiota flamejante.

Desde Noé e antes de Noé, jamais um idiota ousaria ser estadista. É verdade que, na velha Roma, um cavalo foi senador. Mas, o cavalo é um nobre animal, de maravilhoso frêmito nas ventas. E nunca se viu um idiota relinchar.

Pois bem.

Hoje, tudo é possível, tudo.

Há idiotas liderando povos, fazendo História e fazendo Lendas. Mao Tsé-tung seria impossível em outra época. Em nosso tempo, passa por ser um estadista gigantesco. Há rapazes, aqui, que se dizem da “linha chinesa”. Embora a distância geográfica que os separa, jovens brasileiros estão por conta de Mao Tsé-tung.

E, assim, lidos, viajados, falando vários idiomas, maridos das melhores mulheres – os nossos idiotas têm também os melhores cargos e exercem as funções mais transcendentes. Eu disse que estão por toda a parte: – na política como nas letras, nas finanças como no cinema, no Teatro como na pintura.

Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: – ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.

Dirão que exagero. Absolutamente. E é tão importante ser idiota, Tão decisivo, que já desponta a fauna, sem precedentes, dos “falsos cretinos”. São rapazes inteligentíssimos, bem-dotadíssimos, alguns beirando a genialidade.

Pois bem. O sujeito, para viver, ou sobreviver, enterra o próprio espírito, como as joias de Raskolnikov. E, se for preciso, ele finge debilidade mental e põe-se a babar na gravata, copiosamente.

Eu citaria o exemplo do Ferreira Gullar.

Ex-poeta maravilhoso. Seu livro “A luta corporal” ficou, se me permitem a ênfase, como um momento de eternidade.

Mas, o Ferreira Gullar foi cercado, envolvido, triturado pelos idiotas. E, hoje, só consente em ter espírito, à meia-noite, num terreno baldio, sob a luz de fúnebres lampiões.

 Wille und Vorstellung

Trecho retirado de “O Mundo como Vontade e Como Representação”, de Arthur Schopenhauer

É realmente inacreditável o quanto a vida da maioria das pessoas, quando vista do exterior, decorre insignificante, vazia de sentido e, quando percebida no seu interior, decorre de maneira tosca e irrefletida.

Trata-se de um anseio e tormento obscuro, um vaguear sonolento pelas quatro idades da vida em direção à morte, acompanhado por uma série de pensamentos triviais. Assemelham-se a relógios aos quais se deu corda e funcionam sem saber por quê; todas as vezes que um ser humano é gerado e nasce, o relógio da vida humana novamente recebe corda, para mais uma vez repetir o seu estribilho inúmeras vezes tocado: movimento por movimento, batida por batida, com insignificantes variações. – Todo indivíduo, todo rosto humano e seu decurso de vida, é apenas um sonho curto a mais do espírito infinito da natureza, da permanente Vontade de vida; é apenas um esboço fugidio a mais traçado por ela em sua folha de desenho infinita, ou seja, espaço e tempo, esboço que existe ali por um mero instante se for comparado a ela e depois é apagado, cedendo lugar a outro.

Contudo, e aqui reside o lado sério da vida, cada um desses esboços fugidios, desses contornos vazios, tem de ser pago com toda a Vontade de vida em sua plena veemência, mediante muitas e profundas dores e, ao fim, com uma amarga morte, longamente temida e que finalmente entra em cena.

(…)

Entretanto, esta consideração é a única que nos pode consolar duradouramente, quando, de um lado, reconhecemos que sofrimento incurável e tormento sem fim são essenciais à aparência da vontade, ao mundo. De outro, vemos, pela vontade suprimida, o mundo desaparecer, e pairar diante de nós apenas o nada. Dessa. forma, pela consideração da vida e conduta dos santos, cujo encontro nos é raras vezes permitido em nossa experiência, mas cuja vida nos é narrada em suas histórias, e trazida diante dos olhos pela arte com o selo da verdade interior, havermos de dissipar a lúgubre impressão daquele nada, que como o ultimo fim paira atrás de cada virtude e santidade, e que tememos como crianças temem a escuridão; melhor isso, em vez de nos esquivarmos do tema, como o fazem os hindus, através de mitos e palavras vazias de sentido.

Antes, reconhecemos francamente: para todos aqueles que ainda estão cheios de vontade, o que resta após a completa supressão da vontade é, certamente, o nada. Mas, inversamente, para aqueles nos quais a vontade virou e se negou, este nosso mundo tão real com todos os seus sóis e vias lácteas é exatamente isso –

Nada.

O Mundo

…Quando nos perdemos na consideração da grandeza infinita do mundo no espaço e no tempo, ou quando meditamos nos séculos passados e vindouros, ou também quando consideramos o céu noturno estrelado, tendo inumeráveis mundos efetivamente diante dos olhos, e a incomensurabilidade do cosmo se impõe à consciência – então sentimo-nos reduzidos a nada. Como indivíduo, como corpo vivo, como aparência transitória da vontade; uma gota no oceano, condenados a desaparecer, a dissolvermo-nos neste imenso nada. 

Mas eis que se eleva simultaneamente, indo contra tal fantasma de nossa nulidade, contra aquela impossibilidade mentirosa, a consciência imediata de que todos esses mundos existem apenas em nossa representação. Ou seja, apenas como modificações do eterno sujeito do puro conhecer, o qual nos sentimos assim que esquecemos a individualidade; esse sujeito do conhecer é o sustentáculo necessário e condicionante de todos os mundos e de todos os tempos. 

A grandeza do mundo, antes intranquilizadora, repousa agora em nós.

Nossa dependência dela é suprimida por sua dependência de nós.

Tudo isso, contudo, não entra em cena imediatamente na reflexão, mas se mostra como uma consciência apenas sentida e que, em certa forma (que apenas a filosofia pode revelar), somos unos com o mundo e, por conseguinte, não somos oprimidos por sua incomensurabilidade, mas ao invés disso somos elevados.

É a consciência sentida naquilo que os Upanishads dos Vedas já exprimiram repetidas vezes, de maneira variada. Trata-se de elevação para o além do indivíduo. Este é o sentimento do sublime. 

Trecho de “O Mundo Como Vontade e Representação”, de Arthur Schopenhauer

West London Screen Group x Marcel Grant

In the February edition of the Screen Group West London, we had the special presence of the director and producer Marcel Grant, talking about independent filmmaking.

Marcel Grant is a British independent filmmaker based in London, who has written and directed four feature films, Open My Eyes (2016) Coffee Sex You (2014), Just Inès (2010), and What’s Your Name 41? (2005). Grant is the founder of MAMA Film Worx and the WSFF film festival and brand. He is currently filming a one hour documentary The Late Great ‘78 about his personal experience as a seventeen-year-old in 1978, featuring Grace Jones and Amanda Lear, due for release in early 2022.

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