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Sobre Homens e Zumbis

Post referente aos episódio 1-4  de “The Walking Dead” – segunda temporada.

 

 

O cenário pós-apocalíptico da série The Walking Dead continua sendo impressionante.  Durante os quatro primeiros episódios da segunda temporada da série,  depois de uma surpreendentemente bem construída first season – de apenas 6 capítulos, tecnicamente impecáveis – a narrativa da segunda temporada consegue manter o nível mesmo depois de era de uma season finale com rumo incerto.

Eu não li os quadrinhos de Frank Darabont, e o rumo que tudo isto vai tomar ainda é uma surpresa pra mim. É ótimo observar que a expectativa criada pelos primeiros 6 episódios de “Walking” foi atendida e, até mesmo, superada. “Deus, eu preciso de um sinal…apenas um sinal” clama o policial Rick Grimes, em frente a uma cruz, em uma igreja com cadáveres espalhados pelo chão. A situação é desesperadora: presos no meio de uma estrada congestionada por carros vazios, o grupo de sobreviventes à grande epidemia – que, tudo indica, transformou a maior parte da humanidade em mortos comedores de cerébro –  tenta lutar contra à falta de água, combustível, balas, e ‘passeatas zumbis’ com milhares de monstros itinerantes e famintos. No meio de um desses contratempos, a pequena Sophia foge para o meio da selva, acabando sozinha e perdida.

Toda a comoção do grupo se resume nessa busca desesperada por Sophia. Depois de dois dias procurando pela garota, e encontrando só a morte por todos os lados, Rick, desesperado, se volta para Deus por respostas. O final do primeiro capítulo da primeira temporada é avassalador, mudando toda a dinâmica estabelecida anteriormente e mudando tragicamente a série. Genial.

Meu objetivo não é de trazer spoilers aqui, e evito ao máximo entregar situações cinematográficas que só vão ser desvalorizadas por palavras. O que posso dizer é que ainda existe vida fora da pequena comitiva, e que a introdução da Família Greene , liderada pelo velho veterinário/médico Hershell, acrescenta pontos interessantes e discussões existenciais que talvez eu possa recortar para alguma aula minha de Filosofia; “Se Deus existe, é bom, poderoso e onipotente, porquê o mal existe?”; a pergunta de Santo Agostinho ressoa cada vez mais nos corações dos personagens de “Walking”, e o veterano Hershell contrapõe esse conflito, analisando a situação estoicamente – “Deus dará”, “Tudo acontece por um motivo”. Em uma das conversas mais interessantes da série até o momento, Rick e Lori discutem sobre se vale a pena manter a esperança, e se não é melhor optar pelo suicídio do que viver no sofrimento constante de um mundo infectado.

A virtude da série é exatamente essa: existe sangue, existe fuga, tensão e terror dos morto-vivos mas, por outro lado, a receita também conta com conflitos emocionais e psicológicos, e personagens profundos e reais, fugindo de estereótipos de bem e mal, vilão e mocinho (note a transformação maligna de Shane e as atitudes generosas do nazista Daryl).

Uma coisa, o teaser da temporada já entrega. A luta pela sobrevivência dos homens pode vir a ser, afinal, muito mais perigosa do que qualquer ameaça zumbi.

Nota – 5/5 (Imperdível)

 

 

“Mais uma dose”

Post referente aos episódios 1-3 de Boardwalk Empire – Segunda Temporada.

 

 

Uma cena que me vem na cabeça é a primeira de todas; o navio, ecoando o seu sino, em meio ao espesso nevoeiro, avisando que mais uma remessa da cobiçada (e proibida) bebida acabava de chegar no cais. Tudo nessa singela cena é perfeito. Olhando através das camadas quase fantasmagóricas de nuvens, quando percebemos estamos envoltos em um outro mundo, uma outra década, uma outra experiência.

Produzida pela HBO (o que hoje, por si só, já indica um selo de alto nível de qualidade), a série Boardwalk Empire já nasce grandiosa, imponente. Dirigida por Martin Scorsese em parceria com o menos conhecido – mas altamente talentoso – Tim Van Patten (que tem no currículo episódios de Familia Soprano, The Pacific e Game of Thrones), a série conta a história do poderoso  Nucky Thompson (Steve Buscemi) que, depois de um período estabilidade pacífica no poder de Atlantic City, começa a ver sua influência política e criminosa ser desafiada por diversos lados.

Do lado de ‘fora’, a ameaça é o meticuloso agente federal Nelson Van Alden (Michael Shannon) que, incorruptível, traça uma cruzada pessoal contra a bebida; de dentro, a maior ameaça contra Nucky são exatamente os seus “aliados” – seu irmão Eli (Shea Wingham) e seu afilhado Jimmy (Michael Pitt) – que já na primeira temporada não parecem completamente satisfeitos com o chefão no poder.

A segunda temporada começa com a tensão atingindo seu ápice. Nos três primeiros episódios, fica claro que o jogo mudou para Nucky, e que começam a faltar peças para ele mexer no tabuleiro. Eli e Jimmy se juntaram ao ambicioso Comodoro Louis Kaestner – pai biológico de Jimmy e antigo chefão – para tomar o poder central na distribuição de bebidas em New Jersey e New York. As familias de Chicago – representadas pelo ainda soldado Al Capone (Stephen Graham) – cortam relações comerciais com Atlantic City e Nucky começa a se sentir encurralado. A única saída é a guerra pelo poder, que vai se transformando, gradualmente, em  uma opção inevitável.

Com personagens profundos e construídos de maneira belíssima, não é por acaso que Boardwalk Empire lembra em diversos aspectos o ritmo e a psicologia exposta no maravilhoso The Sopranos (1999 – 2006). Grande parte dessa identidade se deve à Terence Winter, escritor e colaborador das duas séries. Aqui, mais uma vez, somos apresentados ao fascínio de Winter pela mente criminosa e, especialmente, pelo surgimento e desenvolvimento do crime na região de New Jersey (por isso que Boardwalk Empire é, de muitas maneiras, uma prequela para o cenário da Familia Soprano).

Além das atuações fantásticas e do desenvolvimento narrativo acima da média, a cereja do bolo em Boardwalk Empire advém de um fator incomensurável; a paixão de Scorcese pelo período das décadas de 20-50 na história americana; onde se fundamentaram as bases do que viria a ser a potência econômica dos EUA e – mais importante para o diretor – período em que Hollywood nasceu e se desenvolveu plenamente. É possível sentir o cheiro nas docas de Boardwalk Empire, dançar com o som da música dos antigos cabarés e sentir o frio percorrer a espinha em suas noites frias. O cenário é vivo, dinâmico e apaixonante. Uma mágica que só o olhar atento de Scorsese (vide os ótimos filmes “A Ilha do Medo” e “Aviador”) consegue estabelecer. Não é por acaso que ele está entre os melhores cineastas de todos os tempos.

Nota – 5/5 (Ótimo)

PS – O ‘mocinho’ Van Alden, longe de ser um personagem perfeito, representa a hipocrisia e a perversão que acompanha qualquer fanatismo religioso. Uma ironia ideal.

PSS – Reparem na cena que Al Capone, tentando ser durão e prepotente diante da morte do pai, se desmancha por dentro ao observar Jimmy ajudando o filho pequeno a amarrar os cadarços. Uma atuação sutil e maravilhosa.

PSSS – Um dos personagens mais interessantes é Richard Harrow (Jack Huston), que consegue uma fantástica presença mesmo com suas expressões faciais cobertas por uma máscara medonha. Frankestein não faria melhor.

 

“A Mão de Deus “

post referente aos episódios 01 a 03 de  Dexter – Season 6.

 

Depois de diversos teasers e spoilers que rodaram a net, não é nenhuma surpresa que a série do serial killer mais acompanhado – e venerado – dos últimos tempos voltasse buscando fôlego para sua sexta temporada no lado mais sangrento. Percebendo que a 5a temporada dividiu opiniões do público ao tentar, de certa maneira, envolver Dexter em um processo de “humanização” (que fica evidente tanto no seu caso com Lumen quanto no crime passional (S5E01) que ele comete, revoltado com a morte de Rita), a Showtime resolveu manter o personagem em um território seguro, preservando o protagonista – e suas reflexões – em um nível já conhecido e aprovado pelos seus fãs.

O resultado disso é que Dexter volta, nos três primeiros episódios da sexta (e última?)  temporada, a ser aquele “monstro” que tanto sentimos falta. Isso fica claro logo na dinâmica inicial dos primeiros três capítulos: como quem acompanha a série já está acostumado, somos apresentados a um ‘main case’, que vai se estender até o final da temporada, e um caso pequeno por episódio, em que Dexter despedaça  diversos serial killers ‘menores’; outros monstros que, de acordo com o “Código de Harry”, não merecem piedade.

O que chama a atenção nessa temporada é uma nova preocupação do protagonista: que religião ele deve ensinar ao seu filho? Obviamente, Dexter nunca seguiu nenhuma premissa religiosa, e nem acredita em nenhum tipo de ordem superior, mas será que é melhor criar seu filho sob a ‘ordem’ de um dogma, pecado e culpa? Essa reflexão é pontuada por personagens específicos – Dexter conhece um ex-assassino que conseguiu abafar o seu ‘lado negro’ através da religiosidade; de outro lado, o serial killer principal dessa temporada é um fanático religioso, que por algum motivo, ainda nebuloso, sente que está cumprindo uma “missão divina” ao retalhar suas vítimas (detalhe que, no final do terceiro capítulo, existe uma referência que pode ser representada como sendo a dos Quatro (são quatro? Eu não fiz catequese) Cavaleiros do Apocalipse).

A série mantém nessa sexta temporada o mesmo ritmo que os seguidores de Dexter já estão familiarizados. O que me chamou a atenção no segundo episódio foi uma cena com um divertido plano subjetivo, quando o protagonista se vê, subitamente, atraindo olhares na sua reunião de 20 anos de sua Highschool. O personagem agora se tornou popular entre seus antigos ‘colegas’ e,  obviamente, não gosta nada disso.

Como um abre-alas para uma promissora nova temporada, o terceiro episódio de Dexter termina de maneira intrigante,  quando o metódico serial killer observa seu pequeno mundo ser abalado depois de um acidente com suas lâminas de sangue. É um sinal? Dexter vai precisar de um ‘salto de fé’ para reorganizar sua vida?

Uma coisa é certa: em uma série como essa, quanto menos ‘moral da história’, melhor.

Nota – 4/5 (Muito bom)

 

Abyssimus

A meia luz do pequeno quarto dela me revelava um cenário familiar e atraente. Deitada na cama, semi nua e coberta apenas com um fino lençol de seda, a visão de seu corpo era espetacular. Ela se espreguiçava, lentamente, com cabelos quase loiros espalhados pelos ombros.

Abriu os olhos, devagar. Aqueles olhos, por vezes cinzas e por vezes cor de mel. Olhos que já quebraram tantos corações, inclusive o meu. Mas não se atente aos lamentos deste pobre narrador – ele agora é apenas uma brisa, um fantasma que se pendura no ventilador deste pequeno quarto, dentro de um pequeno apartamento, localizado nos Alpes suiços e no sul da Espanha ou, quem sabe…aqui?

É uma estranha sensação sentir-se onipresente. Eu ouvia os suspiros daquela garota desconhecida, examinava cada centímetro de seu corpo, sentia os pequenos cabelos da sua nuca arrepiarem, em ritmo lento, dançando como em uma valsa improvisada. Com um pouco mais de esforço, eu era capaz de ouvir até os seus pensamentos sussurados, distantes – com cada suspiro, ela tragava toda minha alma. As batidas do seu peito fariam Rachmaninoff se curvar humildemente, desistir de tocar o piano e acabar sua vida como vendedor de shashlik em alguma estação de trem em Moscou.

Em um momento como este é que somos levados a perceber o quanto os nossos sentidos, toda nossa ínfima racionalidade – e, ademais, tudo aquilo que assumimos como constituinte de nossa essência – são apenas as grades de uma jaula imunda que chamamos de vida. A realidade é que todo o gênero humano não passa de uma gota perdida em um oceano infinito; cada explosão cósmica é uma espécie de furacão passageiro, que surge dentro de uma mesma corrente de ar; tudo o que conhecemos são apenas notas dissonantes tocadas dentro de uma sinfonia silenciosa, eterna, etérea

Mas…aquele olhar…. ele… ele era a única coisa que me fazia sentir algo. Como uma lâmina retorcendo dentro de entranhas invisíveis, a força daqueles olhos puxavam o meu ser de volta para um resquício animal, selvagem, efêmero e impotente. Eu amava aquela mulher.

Isabella espreguiçou-se esticando as pernas, devagar, e suas mãos permaneciam pousadas como plumas brancas sobre os seus lindos seios que, belos e perfeitos, eram justificativas ideais para qualquer ato desmedido, epopéia continental ou guerra sangrenta. O seu cheiro era inebriante como a própria síntese da primavera, e seus doces lábios exalavam um elixir inesquecível – os religiosos que fiquem explorando, em vão, inúteis livros empoeirados, vivendo e morrendo trancafiados dentro de túmulos arquitetônicos – o verdadeiro templo e a verdadeira Deusa estavam ali, bocejando graciosamente, espalhados por entre os lençois macios daquela fatídica manhã.

Bella, imortalizada em seus vinte e poucos anos, levantou-se e abriu as cortinas, esperando ver entrar a claridade do dia que raiava ao longe. Mas não foi isso que ela viu.

Poseídon afogou Ulisses.

Minotauro dilacerou os ossos de Teseu

O abismo olhou de volta.

“É o fim”, ela pensou, preocupada.

É o fim.

The Heming Way

Postado em 14 de julho de 2011 
Texto escrito por Marty Beckerman para a revista Wired, e traduzido por Ceriblog.

 

Se Ernest Hemingway não tivesse cometido suicídio há 50 anos atrás, ele provavelmente estaria morto hoje de qualquer forma (nenhum fígado poderia aguentar mais de um século de abuso alcóolico. Nem mesmo o do ‘Papa’).

Mas se a Newsweek pode fantasiar com a princesa Daiana escapando da morte, então podemos imaginar como seria se Hemingway andasse – ou tropeçasse – entre nós em 2011. O que o escritor beberrão e aventureiro pensaria do nosso estilo de vida moderno?

Não muita coisa. Nós somos obcecados em conquistar o mundo digital – acumular seguidores no Twitter, amigos no Facebook, recomendações no LinkedIn – e Hemingway conquistou o mundo real. A emoção de um retweet de Roger Ebert ou Ashton Kutchner nunca vai se comparar com a adrenalina de correr com touros selvagens ou batalhar contra tubarões vorazes no meio do oceano para tentar recuperar um peixe de prêmio.

Até a luta, o esporte mais sangrento e antigo de todos, logo vai acabar, e dentro de pouco tempo vai se transformar em uma simulação orquestrada por um joystick, com um guerreiro de cada lado do mundo entrando no campo de batalha virtualmente, tudo isso graças à nossa crescente busca por construir andróides para fazer nosso trabalho sujo. – Apenas outro videogame, a metáfora perfeita de nosso tempo.- Mas atacar com o controle do Nintendo Wii não é nenhum substituto para enfiar uma baioneta nas entranhas de um soldado das forças armadas leais à Franco. – na verdade, isso hoje é fácil de fazer, porque esses soldados já estão mortos há, mais ou menos, 100 anos.

Da mesma maneira, usar um GPS não substitui a exploração em campo aberto. Porque ‘visitar’ a África selvagem com o Google Earth não é o mesmo do que caçar ao vivo aquelas magníficas criaturas de carne e osso.

O ex-senador republicano Anthony Werner, que estragou seu casamento ao mandar algumas fotos digitais safadas para diversas mulheres, epitomiza essa masculinização contemporânea eletrônica. Hemingway era um grande fã em estragar casamentos – ele mesmo se divorciou três vezes – mas ele tinha culhão para REALMENTE trair suas mulheres, não apenas emocionalmente ou virtualmente (na verdade, ele tinha apenas uma única emoção, que era a sede de sangue nas suas caçadas pelas savanas da África)

Nós precisamos deixar de lado nossos tablets e smartphones, e voltar a desafiar a Mãe Natureza à nos matar pela nossa ambição e arrogância, seja caçando um leão faminto ou subindo o Kilimanjaro. Zerar o Angry Birds ou plantar cenouras no Farmville não é a maneira certa de sentir realmente o gosto de nossa humanidade.

Você não iria preferir aprender sobre as coisas da vida através da aventura (e de desafortunadas viagens comendo miojo) do que através da Wikipédia?

Tecnologia não é de toda ruim; é apenas um problema quando os atalhos fáceis e distrações viciantes nos transformam em seres preguiçosos, incompetentes e incapazes de saber a diferença entre “você é”, “vc é” e “vé, véi?”. Hemingway aconselhou os romancistas: “escrevam bêbados, editem sóbrios”, hoje, no Facebook, todos escrevem bêbados e não editam nada.

“O medo da morte aumenta na proporção exata do aumento da riqueza”, Hemingway disse uma vez. Hoje, muitos de nós nos tornamos ricos na moeda da ‘covardia’. Nós temos tantas coisas e tão poucas experiências. Nós estamos desesperados para viver o maior tempo possível, e não o melhor possível. Estamos com tanto medo de dizer ‘adeus’ à esse mundo, sendo que ainda não dissemos nem ‘olá’.

Nós estamos debilitados pela nossa alta-definição, aparelhos Wi-Fi, gananciosos por possuir cada vez mais objetos sem valor – o melhor, o mais rápido, o mais brilhante gadget – ao invés de viver a nossa vida de cada dia, com o maior prazer possível.

Se Hemingway não tivesse se matado por desespero em 1961, ele se mataria em 2011, por desgosto.

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