Creatio Continua

Category: Cerideias (Page 11 of 20)

Três

Três-2

Rodrigo e Júlia terminam um namoro de dois anos. Enquanto tenta se readaptar à vida de solteiro, Rodrigo passa por momentos de alegria e de monotonia.

Direção e Roteiro –
Rafael Ceribelli

Assistente de Direção – Fernanda Leme

Direção de Fotografia –
Alejandra Flórez

Elenco –
João Filipecki
Juliana Costa Pereira
Rafael Ceribelli

Som – William West

 

Bleecker St.

IMG_1200

“De uma hora para outra, desapareceu o cinza pálido de meus dias de rotina reincidente; joguei fora o conforto da solidão crua, e tudo foi substituído, de uma só vez, pela total escuridão. A  incerteza, a loucura, tudo aquilo que não se diz. O Diabo está nos detalhes, e Deus também. Em algum lugar daquele pedaço do universo, escondido no lado de dentro. Em um sorriso mal contido no canto da boca, em um minuto que ficava perdido e quase esquecido, de uma coisa eu sabia: ela ainda me fazia feliz.”

“Todas minhas mulheres estão casadas com outros caras”, pensou o escritor, abandonando o teclado e tomando mais um gole de vinho em uma noite fria, daquelas que sempre embaçavam a janela do seu pequeno apartamento. O vento suspirava lá fora, carregando mais uma história incompleta. Acendeu um cigarro, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Estava exausto; a página em branco era impiedosa.

Queria ser um romântico, mas o que sabia sobre o amor? “Porra nenhuma”, reclamava por dentro, sentindo que nunca havia amado ninguém a não ser a si mesmo. Mas sabia que isto também era uma mentira. Sabia muito bem o que corroía seus próprios pensamentos em madrugadas insones, o que o assombrava enquanto se revirava na cama de solteiro de seu pequeno e abafado apartamento.

E, de vez em quando, ainda sonhava com um desfecho diferente para a realidade. “Nas  minhas linhas, todos os caminhos voltam para você”, falava para uma mulher desconhecida – um rosto apagado pelo tempo e pelo álcool. Sem distinguir exatamente quem era, ele se reconhecia no irreconhecível, porque o sentimento estava lá. Ela estava nua, e o escritor se afogava até a morte, buscando redenção naqueles seios de bico rosa e na sua pele branca e macia. “Porque você foi embora?”, ela repetia para ele, sempre muito ocupado para responder. Sempre tentando aproveitar um segundo antes que…

E, então, acordava, excitado e decepcionado com a própria ilusão. Caminhava até a escrivaninha e rabiscava mais um conto de linhas soltas, tentando seguir os conselhos de Hemingway, sangrando nas páginas. Mas há tempos não se apaixonava. Nunca havia assistido algo morrer. Nunca havia vencido a própria solidão. Olhava para a folha de papel e ela surgia como um espelho da sua alma medíocre, que sempre estava cheia de palavras imprestáveis, falsas, racionais demais, innacrochable.

Era mais do que odiar a si mesmo: ele odiava o seu tempo. Odiava no que o mundo havia se transformado e, quando não estava bebendo, fumando e se distraindo da própria angústia, se refugiava nas páginas de livros antigos, escritos por pessoas mais velhas e mais sábias, remanescentes de uma época onde ainda existiam coisas para serem ditas. Um lugar que não se resumia à amizades virtuais, 140 caracteres, conveniências 24 horas, fotos de cachorrinhos e pornografia. Mentiras. Aqui ninguém tem amigos, interesses, inteligência ou tesão.

É pior do que o fim do mundo. É o nada.

“Não avisei que íamos chegar nisto?”, os deuses pareciam gargalhar através dos trovões que cobriam a cidade, como se estivessem cuspindo na cara da humanidade pelo fracasso que ela se tornou. “Chega dessa merda”. O escritor levantou da velha cadeira, resolvendo sair na rua para uma caminhada. Se chovesse, melhor.

Mas não chovia. Só havia o frio cortante, e a rua mal iluminada revelava até uma certa beleza poética. Eu estava ali, sentado na escada, com o rosto coberto por um capuz e um sorriso de dentes podres. O escritor passou por mim erguendo a gola de seu casaco, caminhando em direção aos bares da próxima esquina e passando onde um grupo de pessoas sem importância conversavam, tragando seus cigarros e fingindo serem felizes.

Do lado de dentro de um dos bares vazios. Percebendo a chegada de mais um clente, a garçonete – uma loira de peitos grandes, batom vermelho e com o corpo marcado por tatuagens – tentou desviar seus pensamentos do encontro sexual que teria mais tarde.

“O que vai querer?”, perguntou, automaticamente, ao cara que sentava no balcão. Ela já tinha visto ele por ali, mas não era um cliente regular. “Uísque”, respondeu o escritor. “Jack and Coke”. Ele pensou em como o sabor fazia ele se lembrar de tempos melhores, cheios de possibilidades, onde um lance de dados podia mudar qualquer situação.

Mas a sorte havia escapado no primeiro raio de sol daquele quarto de hotel em Vegas, levando sua carteira e sem deixar bilhete ou telefone de contato. “Bons tempos”, pensou, quase em voz alta. A garçonete de olhos mortos encheu o copo sem prestar atenção, ao mesmo tempo que atendia o celular.

Faziam quatro anos que morava em um pequeno apartamento na parte baixa de Manhattan, onde desperdiçava sua energia escrevendo artigos publicitários e pagando um aluguel grande demais para morar em um apartamento do tamanho – e com o mesmo público – de uma ratoeira. Não estava particularmente triste, mas há tempos não experimentava qualquer dose de felicidade menos passageira que um bom gole de uísque.

O escritor tateou a calça em busca de seu maço de cigarros. Ainda haviam três, mas sabia que não podia acender nenhum ali. “Lei de merda”, pensou. Não era um fumante inveterado, enxergava o maço mais como um extintor dentro de um vidro de emergência, que durava meses em seus bolsos. Naquela noite, sentia necessidade do sabor amargo da nicotina. Naquela noite, tinha saudade dos bares enfumaçados e fedorentos; daqueles que pareciam repletos de gente mais interessante, e não precisavam ser limpos como um maldito McDonald’s.

“Oi, você pode me dar um?”, foi interrompido em seu pensamento por uma  garota ruiva, que tinha se levantado de uma mesa onde estava com outros três caras. Ela observou ele, mexendo em sua caixinha de Marlboro. “Lá fora está frio, mas aqui dentro não tem ninguém”, ela completou, sorrindo, meio sem saber o que queria dizer com aquilo.

Ela tinha olhos claros e sardas no nariz, com cabelos cacheados que caíam pelos ombros. O escritor sorriu. “É noite de quarta-feira. Só vagabundos ficam perdidos por aqui”, falou, meio sem jeito. Ela deu uma risadinha, olhando para o lado, com vergonha; percebeu como ela era incompreensivelmente bonita. A garota na sua frente era dona de uma beleza incomum, disfarçada pela jaqueta de couro gasta, camisa do Ramones e All-Star vermelho. “Vamos lá fora, também preciso de companhia”, disse, deixando o dinheiro do uísque e a gorjeta no balcão.

Lá fora, a rua estava iluminada apenas pela luz branca da farmácia da esquina, refletida nas poças d’água. Parece que havia, enfim, chovido. “O que você faz, além de ser um vagabundo?”, a garota perguntou, enquanto acendia o cigarro. “Eu escrevo”, respondeu, com um meio sorriso. Ela olhou para ele, soltando fumaça. A ruiva era ainda mais bonita com um cigarro na mão.

Escreve sobre o quê? – ela perguntou, enquanto apoiava o cotovelo no próprio braço, se debruçando sobre a parede do bar. “Eu ganho dinheiro com biscoitinhos chineses”, brincou, com um sorriso. “Mas estou pensando em um livro”, completou, orgulhoso pela piada e se sentindo mal ao mesmo tempo: o tão planejado livro ainda não tinha nenhuma linha.

Ela riu quase de maneira irresistível, e ele sentiu um calafrio estranho percorrer as vértebras. Era o homem mais imbecil do mundo e estava, subitamente, feliz. “Sua sorte de hoje é: você vai conhecer um vagabundo interessante”, os dois sorriram. Uma viatura da polícia passou devagar pela rua, piscando a sirene sem alarme. Um gato cinza esticou seu corpo sob o pé da escada da farmácia na esquina, antes de continuar sua caça noturna. O vento soprou e as folhas crepitaram uma sinfonia arrepiante em algum lugar da Washington Square.

Segundos ficaram  suspensos no ar.

“Me conta. Que tipo de história você quer escrever?” – ela continuou, quebrando o momento que passou à deriva. Ele titubeou. “É sobre um cara que não sabe o que quer”, disse, se surpreendendo com a própria resposta. “Ele está perdido em um mundo em que nada é… certo. Em que o tempo corre para trás, onde tudo é incompleto”, o escritor suspirou, percebendo o fio da própria narrativa se dissipando novamente, em frente aos seus olhos. Não tinha mais nada para falar. “Acho que seu personagem precisa de uma garota”, ela riu sem jeito, covinhas à mostra, deixando o cigarro para apagar na calçada. Ela estava certa. Mais do que isto: ela era certa.

Um momento, os dedos se encontraram, e o idiota que nunca havia escrito uma palavra que preste deu um passo para frente, totalmente inebriado pela essência do perfume naqueles cabelos ruivos encaracolados, em queda livre como as fontes de uma cachoeira. O escritor finalmente encarou o desconhecido; como um viajante que está muito longe de casa, e que não tem certeza se um dia vai encontrar o caminho de volta. Por um instante ínfimo, os sinos da eternidade ressoaram por ali, naquela garota cheia de covinhas, envolta em silêncio.

Um dos amigos dela chegou, dizendo que estavam todos indo para outro lugar. Ela disse “gostei de te conhecer” e virou as costas para desaparecer na próxima esquina. Mas o mundo havia mudado de padrão. Ele sabia. Eu sei: Não existe nenhum homem velho entre todos vocês. Todos crianças no oceano, sem boinhas salva-vidas.

“Eu luto com fantasmas,
Em cada beijo molhado, 
Em lábios que não são seus, nem meus.
E assim, juntos, perderemos / mais do que uma vida inteira
Além do precipício e da beira. Em qualquer canto de lugar nenhum.
Existe um oásis / Impossível de alcançar. /
Na escuridão onde estrelas brilham, mas elas já estão mortas./
Não estamos chegando ao fim. Somos parte dele.
Estamos em pedaços, sem qualquer amor no mundo. Ele é impossível. Mas ele existe.”

Carregando seu lápis invisível, o escritor acendeu seu último cigarro e caminhou, sorrindo, pelas vielas sujas e úmidas.

(Sessão Kinoarte) Antes que o Amor Acabe

28-before-midnight

bifffive“Antes da Meia-Noite” (Drama. USA. 109 min).  Dirigido por Richard Linklater.  Na programação da Sessão Kinoarte do Cinesystem Londrina (Londrina Norte Shopping). Diariamente às 21h40.

 

Viajando em um trem que corta a Europa em direção à Paris, um casal alemão discute aos berros.

Incomodado pelo barulho causado pelos dois, o jovem Jesse (Ethan Hawke) se levanta e muda de assento, para a última fileira do vagão. Ao lado do lugar onde ele senta, está  a jovem e bela Celine (Julie Delpy). Ele olha para ela. Ela olha de volta, enquanto finge se concentrar em um livro. Ele insiste. “Imagina se nós dois casarmos e, daqui a vinte anos, estivermos brigando daquele jeito?”, brinca Jesse, e Celine sorri. Ali começava uma grande história de amor, idealizada como uma trilogia pelo cineasta Richard Linklater. 

“Antes do Amanhecer”, de 1995, acompanha os dois jovens enquanto eles caminham pelas ruas da antiga cidade de Viena e se descobrem um no outro. Ela é francesa. Ele é americano. Ambos estão decepcionados com relacionamentos amorosos e incertos sobre o futuro que os espera na volta para casa. Com uma cumplicidade franca – que, talvez, só possa existir mesmo entre completos estranhos – os dois conversam abertamente sobre o amor, os sonhos, sexo, vida e morte, tudo isto enquanto passeiam por entre vielas medievais com paredes cheias de significados, restaurantes vazios, mendigos poetas e cemitérios secretos.

Deitados sob as estrelas em um parque da cidade, os dois se apaixonam. Na manhã seguinte, o trem de Celine vai embora para a França, e o avião de Jesse decola em direção aos EUA. Antes do destino separar os dois, o casal troca juras de amor, e ambos prometem se reencontrar novamente em Viena. O filme acaba e nos deixa a sensação de um romance que é, ao mesmo tempo, verdadeiro e efêmero, ingênuo e real.

Nove anos depois, em “Antes do Pôr-do-Sol” (2004), reencontramos Jesse em uma sessão de autógrafos da turnê internacional de seu livro, bestseller nos EUA. Em meio às perguntas dos jornalistas, ele perde o fôlego quando percebe que está sendo observado por Celine. Ambos vão tomar um café e acabam conversando sobre uma faceta mais madura dos mesmos problemas existenciais. Ele está casado e tem um filho. Ela namora e tem um emprego nas Nações Unidas. Aperfeiçoando sua fórmula, Linklater segue o diálogo entre os dois em ‘tempo real’, sem nenhuma elipse temporal entre a primeira e a última cena do filme, e a história termina com um tom de esperança para o futuro do casal – o amor, parece, venceu o tempo.

Parece um felizes para sempre? Nada disso.

Especialmente por já conhecermos tão profundamente os personagens e nos acostumarmos com a sintonia do trabalho entre Hawke e Delpi (ambos geniais em seus papéis) é que o tom melancólico que permeia “Antes da Meia-Noite” atinge em cheio seu objetivo dramático. Dessa maneira, seu ápice emocional consegue nos alcançar em um nível pessoal; é como assistir um casal de velhos amigos se despedaçando.

O ano é 2013. Jesse e Celine estão passando férias em uma ilha grega em companhia de suas duas filhas gêmeas e do filho adolescente de Jesse,  fruto de seu primeiro casamento. O longa começa com a despedida entre o pai e o filho no aeroporto – as férias de verão do garoto acabaram, e ele tem que voltar para a sua escola nos EUA.

No carro, durante o caminho de volta para uma pousada, descobrimos que o fato de ver pouco o filho incomoda Jesse, e que ele se vê obrigado a ficar afastado dos EUA por causa do trabalho de Celine. Entre risos e brincadeiras, surge a semente de um conflito inevitável.

O ritmo da narrativa, mantido durante toda a trilogia pelo cineasta Richard Linklater (que move a câmera em cenas longas, pontuada por diálogos com um número mínimo de cortes) é essencial para o espectador entender a verdadeira beleza do filme – que consiste no envolvimento genuíno entre os dois personagens e o ambiente que os cerca. É mais do que assistir um casal conversando. Aos poucos, também nos apaixonamos por Jesse e Celine, entendendo seus sonhos e seus medos.

Por isto que é tão terrível observar o abismo que o tempo criou na comunicação entre os dois. Celine está totalmente envolvida com a carreira e com as filhas, enquanto Jesse tenta buscar inspiração em outras mulheres, enxergando apenas uma sombra daquela garota que conheceu anos atrás. Os personagens, maduros, aprenderam que o amor caminha de mãos dadas com o ódio. Que a vida foge ao controle.  Que a satisfação plena não existe.

Mesmo assim a paixão ainda grita. O coração, cheio de cicatrizes, ainda pulsa. “A vida é feita para ser difícil. Se não fosse assim, nunca aprenderíamos nada”, desabafa Jesse, analisando o fim do relacionamento que desenvolveu com sua musa inspiradora. “Será que aprendemos alguma coisa? Será que não somos, ainda, os mesmos de sempre?”, reflete Celine, em uma pergunta que fica sem resposta. O amor sobrevive – mas talvez seja uma ilusão;  uma chama que precisa ser alimentada e (re)inventada para não se extinguir completamente.

Para os apaixonados por cinema, acompanhar o trabalho de Linklater é como assistir a uma aula sobre  as facetas paradoxais do sentimento humano, mostrados através de uma câmera. Para os apaixonados em geral, a trilogia é uma obra-prima do romance, difícil de ser comparada com qualquer uma lançada nas últimas duas décadas.

Ao Leitor

*tradução do poema “Au Lecteur”, de Charles Baudelaire

baudelaire

“A tolice, o erro, o pecado, a mesquinhez
Ocupam nossos espíritos e viajam por nossos corpos,
E nos alimentam de nossos amáveis remorsos,
Assim como o mendigo alimenta seus vermes.

Nossos pecados são teimosos,
nossos arrependimentos são frouxos;
Nós nos confessamos com persistência ,
Mas retornamos alegremente pela estrada lamacenta,
Com a ilusão de que nossas lágrimas lavam nossas manchas.

Sobre o travesseiro do mal, está escondido o Diabo
Que docemente consola nosso espírito,
E quando o metal puro de nossa vontade se evoca
Ele vira vapor pelas obras deste, que age sem ser visto.

É o diabo que move seus filhos e até os manuseia!
E só nos é possível enxergar coisas boas naquilo que é repugnante;
Todos os dias caminhamos para mais perto do Inferno,
Sem medo, dentro das trevas que nos cercam.

Assim como um vagabundo beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma prostituta,
Roubamos por acaso qualquer carícia que recebemos
Para espremê-la até o fim assim como esprememos uma laranja velha.

Espesso, a fervilhar, assim como um milhão de parasitas,
Em nosso crânio cresce uma multidão demônios,
E, toda vez que respiramos, a morte suspira em nossos pulmões,
Como um rio invisível, com surdos murmúrios.

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A história de nossos inúteis destinos,
É que nossa alma arriscou pouco, ou quase nada.

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
Em meio ao lodo infâme de nossos vícios,

Um é o mais feio, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por puro prazer, faria um só detrito
E um bocejo imenso engoliria o mundo;

É o Tédio! –
O olhar que foge ao mínimo de emoção,
Em vão sente prazer no sonho, enquanto fuma ervas finas.
Tu o conheces, leitor, esse monstro delicado –

Hipócrita leitor,
Meu espelho –
Meu irmão.”

(Sessão Kinorte) The Bling Ring

 

andy-warhol-marilyn-diptych1964

two-and-a-half-stars“The Bling Ring” (Drama. USA. 90 min).  Dirigido por Sofia Coppola.  Na programação da Sessão Kinoarte do Cinesystem Londrina (Londrina Norte Shopping). Diariamente às 17h50, 19h50 e 21h50.

 

“Eu amo Los Angeles. Eu amo Hollywood. Todos são lindos. Todos são de plástico, mas eu amo plástico. Eu quero SER plástico.”  – Andy Warhol

Entre outubro de 2008 e agosto de 2009, uma série roubos aconteceram em uma das áreas mais nobres da cidade de Los Angeles. Os ladrões, aparentemente, sabiam sobre todos os passos de suas vítimas, e conseguiam entrar nas mansões de celebridades sem deixar nenhum vestígio de arrombamento, levando apenas itens de alto valor. O caso intrigava a polícia: seria uma quadrilha internacional de tráfico de jóias? Uma rede criminosa especializada em produtos “high end”? Um esquema envolvendo revendedores de relógios Rolex e sapatos Louboutin?

Foi uma surpresa quando revelado – através de uma investigação utilizando gravações de câmeras de segurança e atualizações do Facebook – que os integrantes da chamada Gangue de Hollywood eram na verdade sete adolescentes de classe média alta, filhos de familias ricas e praticamente vizinhos das casas que assaltavam. Liderados pela garota Rebecca (Katie Chang), os jovens “Bling Ring” roubaram diversos itens de famosos como Paris Hilton, Orlando Bloom e Lindsay Lohan, causando danos avaliados em cerca de  U$ 3 milhões de dólares.

Baseado na história real, o filme “The Bling Ring” começa apresentando o relacionamento da estudante Rebecca com Marc (Israel Broussard): novato no colégio e já taxado como um “perdedor”, o garoto homossexual é ajudado pela jovem a se enturmar com outros alunos e, em contrapartida, começa a cultivar uma paixão platônica pela melhor amiga. Logo descobrimos que Rebecca tem tendências cleptomaníacas, e que um de seus passatempos favoritos é roubar itens dentro de carros estacionados.

Ao mesmo tempo conhecemos o cotidiano das irmãs ‘adotivas’ Nicki (Emma Watson) e Sam (Taissa Farmiga), que foram retiradas do colégio para serem ensinadas pela mãe Laurie (Leslie Mann) por “aulas” baseadas inteiramente na filosofia medíocre de livros de auto-ajuda; especialmente no best-seller “O Segredo”. Apesar da suposta espiritualidade ensinada para as garotas, a vida das duas gira em torno da ostentação e da fama nas redes sociais.

Unidos pelo fascínio ao glamour e às celebridades, o grupo formado por Marc,  Rebecca, Nicki e Sam (e outros integrantes que mudam, dependendo do assalto) logo tem a ideia de invadir a casa de famosos que estejam viajando e que deixaram suas casas desprotegidas. É um roubo fácil, já que a maioria deles esquece uma janela ou porta destrancada.

É interessante perceber o quanto que a escolha das celebridades pela gangue serve como um reflexo da personalidade dos próprios assaltantes. Se a sociedade é representada pelos seus ídolos, o que dizer de uma juventude que tem como ‘modelos de sucesso’ completas idiotas narcisistas como Paris Hilton ou degeneradas como Lindsay Lohan?

Não é difícil entender os motivos pelos quais a história chamou a atenção da cineasta Sofia Coppola; a diretora de filmes como “Um Lugar Qualquer” (2010) e “Encontros e Desencontros” (2003) adora explorar o vazio existencial em seus próprios personagens – e nada é mais emblemático do que riquinhos roubando a casa de seus ídolos, movidos apenas pelo fetichismo da experiência.

Mas, se em seus outros filmes, o distanciamento em relação aos sentimentos dos protagonistas faz com que o espectador se envolva subjetivamente em seus conflitos e emoções, em “The Bling Ring” a estratégia tem efeito contrário. A atitude “blasé” dos jovens soa falsa e desencadeia um abismo emocional extremamente prejudicial à narrativa, que já é cheia de furos e que se revela, cada vez mais, episódica e sem fluidez. Percebendo a falta de ritmo na história, Coppola ainda tenta ‘remendar’ o roteiro com discursos em ‘off’ de seus personagens principais, em uma atitude que só serve para enfraquecer o impacto das ações na tela.

Por isso que, mesmo contando com uma ótima fotografia de Harris Savides e Christopher Blauvelt e com boas atuações do seu elenco principal – com destaque para uma pervertida Emma Watson – “The Bling Ring” acaba decepcionando como filme. Os personagens são plastificados ao extremo. Não existe significado. Não nos importamos com o destino de nenhum deles. A sensação que fica, depois de sair do cinema, é que você acabou de assistir um TMZ de 90 minutos.

 Mea culpa, talvez seja um erro esperar demais de um filme sobre nada.

« Older posts Newer posts »

© 2025 Ceriblog

Theme by Anders NorenUp ↑