Creatio Continua

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O Espelho

Texto escrito em 13 de fevereiro de 2008. Reeditado por Ceriblog.

broken mirror chaos deities death

Vozes se misturavam e, irreconhecíveis, beiravam um ruído homogêneo;  era a mesma coisa de sempre, a sinfonia de qualquer bar lotado. A fumaça impregnava o ar.

Em um dos lados do balcão estava um velho, acompanhado apenas de seu copo de uísque e do cigarro queimando em cima de um cinzeiro usado. Não parecia feliz, nem triste. Parecia que há muito tempo não ria, ou chorava. Uma completa indiferença dominava o universo de seu olhar. Era o mesmo olhar do boi que, na fila do matadouro, espera pelo abate inevitável do destino.

Alguma coisa me aterrorizava profundamente na figura desse homem. Talvez fosse o movimento mecânico que fazia ao tragar seu cigarro, ou tomando mais um gole demorado em seu copo.  Ele não parecia sentir o gosto de coisa alguma. Parecia enclausurado em si mesmo, incapaz de apreciar os simples prazeres,  ignorando completamente os presentes dionisíacos espalhados pela madrugada.

Pensei comigo mesmo: essa impermeabilidade funesta do velho só podia ser fruto de uma longa existência – talvez longa demais – soterrada por sonhos esquecidos, amores inacabados, frases não ditas. Cicatrizes que, por algum motivo, nunca deixaram de fazer parte do seu coração.

Mas a vida pode ser diferente disso? Não somos, todos, fundamentalmente incompletos?

“O que você tá olhando?”, perguntou um de meus amigos na mesa, apontando para o canto vazio.

“Nada, cara”, respondi, surpreso.

Nada.

*Atualização dedicada para Fanny McFly

Trust the Path

 

 

path

Retirado do livro “The Writer’s Journey”, de Christopher Vogler. Traduzido e editado por Ceriblog.

Da maneira como Dante escreveu o parágrafo inicial do “Inferno”, exatamente assim eu me encontrava, em uma certa passagem na jornada de minha vida, enquanto escalava sozinho uma montanha escorregadia em uma floresta perto de Big Sur, na California. Eu estava na floresta escura, e perdido. Eu estava com frio, fome, exausto e desesperado por saber que a noite se aproximava.

Havia sido um inverno chuvoso, com tempestades que deslancharam pelas montanhas após anos de seca. Eu me sentia preso em uma parte nebulosa de minha própria vida, e dirigi até o norte californiano para tentar encontrar algo que havia perdido há muito tempo; solidão, paz de espírito, claridade. Eu sentia como se tivesse falhado em áreas importantes nos meus trabalhos e em meus relacionamentos, e estava confuso sobre que caminho seguir, sobre qual o próximo passo. Assim, esperava que um dia na floresta me ajudasse a encontrar alguma pista do futuro.

Parei meu carro em uma das encostas e segui, até certo ponto, pela trilha do Serviço Florestal.  Eu esperava que o caminho estivesse lamacento por causa das chuvas, mas logo descobri que havia subestimado a ferocidade do impacto que as tempestades de inverno haviam causado na frágil vegetação. Toda a trilha estava danificada, e naquele ponto eu já não tinha outra opção, senão continuar a escalada.

(…) Sofrendo após um esforço incomum, minhas mãos e meus pés começaram a tremer. A trilha da escalada, que normalmente levaria uma hora, já levava três, e não havia perspectiva de que ela acabasse. Enquanto eu observava o sol descer lentamente no horizonte, eu sentia minha energia sendo sugada, e percebi que estava como protagonista de uma daquelas típicas tragédias que você lê nos jornais. Algum idiota fica preso no canyon à noite e acaba quebrando o pescoço, ou caminha sem rumo até que morre de fome. Acontece o tempo todo. Minha hora havia chegado.

Com o tipo de percepção animal que surge apenas em momentos extremos, eu quase sabia a quantidade exata de calorias que restavam para gastar em meu corpo. Eu havia apenas trazido para comer um mix de amendoins e passas, que me deu energia para atravessar um último abismo – com um caudaloso rio de lama metros abaixo. Quão tênue é a linha que mantém a vida. Agora, eu podia imaginar as areias da minha própria ampulheta escorrendo pelo vidro, enquanto minhas forças acabavam de maneira inevitável. Se eu voltasse, morreria. Se eu escolhesse continuar, a floresta era negra, incerta e cheia de horrores. Era uma ideia desastrosa a de passar a noite naquele lugar, e meu instinto sabia disso.

Exausto, a floresta parecia estar falando comigo. “Venha”, ouvi uma voz feminina, traduzida pelas milhares de folhas batendo contra o vento. “Aqui está uma solução para sua dor. Se jogue neste abismo. Tudo vai acabar em um instante. Eu tomarei conta de tudo”, de uma maneira estranha, parte de mim ficou tentada por essa proposta – uma parte de meu corpo que desejava apenas o fim de toda a agonia.

Mas outra sinapse de meu cérebro me puxava de volta, e reconhecia que eu estava apenas experimentando um fator psicológico comum em toda humanidade, conhecido como “pânico”. Os Gregos antigos nomearam este sentimento de “Pânico” porque acreditavam que ele era causado pela presença do deus da natureza Pan, de feição humana, com pés de cabra e que sempre tocava sua flauta pelas florestas. A melodia do deus Pan podia inspirar os meros mortais, mas também continha o poder de aterrorizá-los, confundindo seus sentidos e invocando a desesperança e a morte.

Eu senti a presença também das bruxas dos velhos contos europeus e russos, temíveis figuras que representam a natureza dualista da floresta ancestral. Os heróis daqueles contos aprendem que as bruxas, assim como a própria floresta, podem rapidamente te quebrar, te consumir e te destruir. Mas, se você aprender como agrada-las e honrar a força da magia, as bruxas também ajudam e protegem – como avós cuidadosas – te escondendo dos animais selvagens e dando abrigo e comida. Naquele momento de terror, a floresta estava mostrando seu lado mais tenebroso e sedutor. Existia, ali, uma força viva e maldosa. Eu estava com grandes problemas.

(…) Naquele momento, uma voz surgiu em minha cabeça, clara como um raio de luz. “Confie no Caminho”, ela disse. E eu realmente ouvi isto, como uma sentença que saía de dentro de minha própria cabeça. (…) Eu não acreditei, pensei que havia perdido a sanidade. “Confie no Caminho”, disse a voz novamente. neste momento, olhei para baixo e vi um formigueiro, onde as formigas trabalhavam carregando suas folhas, sem ligar para minha presença. Segui a trilha, e isto me levou para uma clareira maior, onde consegui distinguir algumas pegadas de coelho. Segui esta trilha e uma placa surgiu na minha frente, com um mapa da região. Eu estava salvo.

Enquanto caminhava pelo caminho seguro, com a noite caindo, a minha confusão desapareceu lentamente. “Confie no Caminho”, disse a minha voz pessoal, e eu penso que isto significa “Continue seguindo em frente para o próximo estágio de sua vida, não se permita ficar paralizado por medo or pânico, apenas continue sua caminhada. Acredite que seus instintos são bons e que a natureza vai te guiar para um caminho melhor, mais feliz”, então a trilha oficial se transformou em uma estrada e, meia hora depois, eu estava de volta ao meu abençoado Chevrolet, estacionado na encosta da montanha.

Enquanto admirava o pôr-do-sol refletido na montanha e na floresta que, há pouco tempo atrás, havia me prendido entre suas mandíbulas, percebi que esta frase “Confie no Caminho” foi um presente para mim, e eu passo ela para vocês. Significa que quando você está se sentindo perdido ou confuso, você deve confiar na jornada que você escolheu – ou, naquela que escolheu você. Significa que outros já passaram por este caminho, pela jornada do escritor, pela jornada do contador de histórias. Você não é o primeiro, você não é o último. Sua experiência disto é única, seu ponto de vista tem valor, mas você também faz parte de algo maior, de uma tradição que surgiu desde o princípio da raça humana. A jornada tem sua própria sabedoria, a história conhece o próprio caminho. Confie na Jornada. Confie na história. Confie no Caminho.

Como disse Dante, no começo do Inferno. “No meio da jornada da vida, eu me encontrei perdido em meio à uma floresta escura, porque o caminho correto estava perdido”. Acredito que todos nós estamos perdidos, de diferentes maneiras. Reencontrando nossa própria consciência, através da jornada que assumimos em nossas vidas, como escritores.

Procurando por um pedaço de nós mesmos enquanto vagamos perdidos, na floresta escura de nossa própria existência.

The King

O Rei

New York Film Academy continuity project (without sound) – Rio de Janeiro, Brazil. 2013.

Directed by: Rafael Ceribelli
Cinematographer: Thais Rosa
Gaffer / Camera Assistant: William West

actors:
Júlio Soutto
William West

Venha Ver o Pôr-do-Sol

venha-ver-por-do-sol

 

 

Curta metragem realizado durante a Oficina Kinoarte de Realização em Cinema Baseado no conto homônimo de Lígia Fagundes Teles

com Guilherme Kirchheim e Mayara Dionísio

DIREÇÃO E ROTEIRO
Carlos Oliveira
Gabriel Begnini
Jess Fernandes
José Dias
Matheus Nagao
Rafael Ceribelli
Vivian Campos

FOTOGRAFIA
Álisson Néri
Andréia Santos
Day Castro
Jaqueline Ozelin
Katy Kakubo
Leonardo Tanabe
Mario Adaniya
Tiago Gouvea
Valéria Felix
Wilson Bala

PRODUÇÃO
Artur Pedroso
Fernando Nasser
Jéssica Arasake
Paula Qiuintella
Stephanie Stenzel
Sidney Ikeda

ARTE
Hígor Mejïa
Letícia Albanez
Mariana Marcondes
Nayara Mazzer
Renata Cabrera
Val Frei
Vanessa Israel

SOM DIRETO
Jess Fernandes
Eduardo Touché

EDIÇÃO DE SOM
Wilson Bala
Eduardo Touché

TRILHA SONORA ORIGINAL
Eduardo Touché

Londrina – 2012

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