Creatio Continua

Mês: novembro 2013

Making Movies

*Trecho retirado do livro “Making Movies”, de Sidney Lumet. Traduzido e editado por Ceriblog

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“Há não muito tempo atrás li uma crítica de Carlito’s Way , dirigido por Brian de Palma. O crítico era um admirador de seu trabalho, como eu sou. Ele escreveu que De Palma havia encontrado um ‘estilo’ visual que era ideal para tragédia. Na verdade, eu vejo um problema  com isto. Carlito’s Way não é uma tragédia. Na mesma crítica, ele escreveu que o filme era uma “peça convencional de gênero”, acrescentando que “não existe maneira de pensar neste filme como um trabalho coerente”, e terminando o texto chamando o filme de um “material superficial, comercial”.

Meu problema não é com De Palma ou com o filme. Meu problema é com o crítico.

Discussões sobre ‘estilo’ como algo totalmente diferente do conteúdo do filme me deixam louco. A forma do filme sempre segue uma função narrativa. Eu compreendo que existam diversos trabalhos artísticos que são tão belos que não precisam de justificativa. E talvez alguns filmes não queiram mais nada além de serem bonitos na tela, ou apenas proporem exercícios/experimentos visuais. E os resultados destes filmes podem ser emocionais, porque eles foram feitos com este propósito, de serem lindos. Mas não podemos começar a usar termos presunçosos como “estilo visual ideal para uma tragédia”.

Fazer um filme sempre foi sobre contar uma história. Alguns filmes contam esta história e deixam você com um sentimento. Alguns contam uma história, te proporcionam um sentimento e te dão uma ideia. Alguns contam uma história, te deixam com um sentimento, te dão uma ideia e revelam alguma coisa sobre você mesmo e sobre todos ao seu redor. E com certeza a maneira que você escolhe contar uma história tem que ser relacionada com o que a história quer dizer.

É apenas isto que ‘estilo’ quer dizer: a maneira que você conta uma história. Depois da primeira decisão crucial na criação de um filme (“Sobre o que é esta história que eu quero filmar?”) vem a segunda pergunta mais importante: “Agora que eu sei sobre o que é a minha história, como eu devo contá-la?”. Essa decisão vai afetar todos os departamentos envolvidos na produção do filme.

Críticos que falam sobre “estilo” como algo separado do conteúdo do filme são ruins, porque eles precisam que alguma coisa seja óbvia. A razão pela qual eles precisam que algo seja óbvio é porque eles realmente não entendem a Arte. Se o filme se parece com um comercial da Coca-Cola ou da Ford, eles acham que este é o estilo. E até existe estilo ali. É um estilo criado para vender algo que você não precisa, e que é pensado especialmente para atingir este objetivo.  

(…)

Alguém um dia me perguntou como era ‘fazer um filme’. Respondi que é como montar um mosaico. Todo take é como uma pequena peça. Você colore isto, molda, e enfeita o melhor que pode. Você faz seiscentas ou setecentas destas pecinhas, talvez mais de mil. (Podem existir facilmente mais de mil takes em um filme). Então você literalmente ‘cola’ todas estas peças juntas e espera encontrar a imagem que você imaginava desde o princípio. Mas se você espera que seu mosaico, no final, se pareça com qualquer coisa, é essencial saber qual é seu objetivo na história antes de começar a construir cada um dos seus tijolinhos.

Quando estamos assistindo pela primeira vez as cenas de um filme – no dia seguinte que foram gravadas – o maior elogio que podemos dizer uns para os outros da equipe é: “Ótimo trabalho. Estamos todos fazendo o mesmo filme.”

Isto é estilo.”

Averno

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Tum pavor sapientiam omnem mihi ex animo expectorat

O céu estava vermelho. Zéfiro desfilava sobre as dunas de areia e pedras em um desfiladeiro inóspito, que ressoava a própria morte. Os sons desapareceram, bronze contra bronze. “Eu não deveria estar aqui”, pensava o herói mortal, agarrando-se desesperadamente à bainha de sua espada, suja de sangue seco. “Eu não deveria estar aqui”, repetia para si mesmo, amedrontado com o que seus olhos enxergavam, ainda feridos pela luz incandescente de uma chama eterna.

Impassível, a Esfinge penetrava a armadura do homem à sua frente, perfurando sua alma com a força de mil adagas. Sentia a costela quebrada e o pescoço jorrando sangue quente, mas aquilo não era a dor – era a brisa das montanhas de Maratonia que enchiam os seus pulmões, era a noite fria mesclada com o aroma de azeite fresco e água salgada.

Ajoelhou-se em desespero, reconhecendo o absurdo. Suas mãos trêmulas ainda lutavam contra o inevitável declínio. Quase conseguia ouvir os remos de Kháron se aproximando, produzindo ondas que perturbavam a calmaria do rio Estige. “Ele veio me buscar”, se forçava a admitir, resignado pela própria brevidade.

A enorme cabeça da esfinge, de olhos reluzentes como rubis, observava. Era um exame amoral, pálido. Vnuquisque sue noverit ire via. Cada um segue o caminho que escolheu para si. Ela continha toda primavera; a luz do sol e o cheiro suave de flores mortas.

Queria gritar, mas só existia o silêncio.
Inimigos caíam em todos os lados. Ali, só existia o silêncio.

Somos todos estrangeiros, velho amigo.
Atravessando o infinito.
Temos quinze anos, quinze minutos, quinze segundos.
Carregamos, no âmago de nossas almas, a sabedoria de Lucrécio.

“inter se mortales mutua viuunt,
Et quase cursores vitai lampada tradunt

Os mortais partilham a vida
assim como os corredores se repassam a tocha”

Nada começou. Nada acabou.

Nada te pertence.

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