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“Qual seu filme favorito?”

Essa é uma das perguntas que mais escuto de velhos amigos e novos conhecidos desde que comecei a trabalhar com cinema (depois do espanto inicial de “Cinema? No Brasil? Sério?” passar). Poucos entendem que é uma pergunta impossível: como escolher entre a Sicília de Corleone, a Espanha de Antonioni, a Manhattan em preto e branco ou o futuro de McFly? Dizer qual é meu filme favorito seria como escolher o dia mais importante da minha vida, e sou ruim com datas; minha memória é meio que um emaranhado de momentos que podem ter sido comprimidos em dias, semanas, meses, sonhos. Ao invés de apontar no calendário, prefiro carregar tudo comigo. Momentos são como chaveirinhos de lembrança, o que é especial eu deixo pendurado na bagagem até quebrar ou desaparecer.

Um momento desses aconteceu em um outubro de anos atrás, enquanto a chuva inundava as canaletas da estreita Via Margutta em Roma. Eu estava lá sozinho, encharcado, estômago vazio e levemente embriagado com Nero d’Avola. Era minha homenagem silenciosa para um dos caras que mudaram a minha vida. O maestro Federico Fellini morou ali com Giulietta Masina durante boa parte de sua carreira, criando universos. Hoje só resta uma pequena placa, maltratada pelo tempo. Um ditado popular romano diz que para o viajante conhecer verdadeiramente a Cidade Eterna é preciso “tomar café da manhã com o Papa e jantar com Fellini”. A alma da Itália é o sagrado e o profano caminhando lado a lado, de mãos dadas.

Lembro do cinema italiano como lembro das esquinas de Roma. Um lugar onde cada rosto me parece tão familiar, onde em cada piazza encontro uma tia, um sobrinho ou um gelato. A viagem de Rosselini é também minha viagem, e passeando pelas entranhas da Itália eu me redescobri. É um paradoxo, eu sei, mas para mim uma tarefa mais fácil do que indicar um filme é indicar um frame. Ele aconteceu quando assisti La Dolce Vita pela primeira vez: até hoje me emociono com o olhar de Valeria Ciangottini pouco antes das luzes se apagarem. É um convite para a aventura. É uma perda irreparável da inocência. Foi nesse segundo que decidi ser um cineasta.

O tempo corre e a chuva continua inundando a viela Margutta, batizada desde o Império Romano com o nome de “Gota do Mar”. Os anos passam e os momentos ficam. E os filmes nos assombram, nos maltratam, nos iluminam.

O fim é certo, mas a vida é doce.

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