Trecho retirado de “O Mundo como Vontade e Como Representação”, de Arthur Schopenhauer

É realmente inacreditável o quanto a vida da maioria das pessoas, quando vista do exterior, decorre insignificante, vazia de sentido e, quando percebida no seu interior, decorre de maneira tosca e irrefletida.

Trata-se de um anseio e tormento obscuro, um vaguear sonolento pelas quatro idades da vida em direção à morte, acompanhado por uma série de pensamentos triviais. Assemelham-se a relógios aos quais se deu corda e funcionam sem saber por quê; todas as vezes que um ser humano é gerado e nasce, o relógio da vida humana novamente recebe corda, para mais uma vez repetir o seu estribilho inúmeras vezes tocado: movimento por movimento, batida por batida, com insignificantes variações. – Todo indivíduo, todo rosto humano e seu decurso de vida, é apenas um sonho curto a mais do espírito infinito da natureza, da permanente Vontade de vida; é apenas um esboço fugidio a mais traçado por ela em sua folha de desenho infinita, ou seja, espaço e tempo, esboço que existe ali por um mero instante se for comparado a ela e depois é apagado, cedendo lugar a outro.

Contudo, e aqui reside o lado sério da vida, cada um desses esboços fugidios, desses contornos vazios, tem de ser pago com toda a Vontade de vida em sua plena veemência, mediante muitas e profundas dores e, ao fim, com uma amarga morte, longamente temida e que finalmente entra em cena.

(…)

Entretanto, esta consideração é a única que nos pode consolar duradouramente, quando, de um lado, reconhecemos que sofrimento incurável e tormento sem fim são essenciais à aparência da vontade, ao mundo. De outro, vemos, pela vontade suprimida, o mundo desaparecer, e pairar diante de nós apenas o nada. Dessa. forma, pela consideração da vida e conduta dos santos, cujo encontro nos é raras vezes permitido em nossa experiência, mas cuja vida nos é narrada em suas histórias, e trazida diante dos olhos pela arte com o selo da verdade interior, havermos de dissipar a lúgubre impressão daquele nada, que como o ultimo fim paira atrás de cada virtude e santidade, e que tememos como crianças temem a escuridão; melhor isso, em vez de nos esquivarmos do tema, como o fazem os hindus, através de mitos e palavras vazias de sentido.

Antes, reconhecemos francamente: para todos aqueles que ainda estão cheios de vontade, o que resta após a completa supressão da vontade é, certamente, o nada. Mas, inversamente, para aqueles nos quais a vontade virou e se negou, este nosso mundo tão real com todos os seus sóis e vias lácteas é exatamente isso –

Nada.