“Antes da Meia-Noite” (Drama. USA. 109 min). Dirigido por Richard Linklater. Na programação da Sessão Kinoarte do Cinesystem Londrina (Londrina Norte Shopping). Diariamente às 21h40.
Viajando em um trem que corta a Europa em direção à Paris, um casal alemão discute aos berros.
Incomodado pelo barulho causado pelos dois, o jovem Jesse (Ethan Hawke) se levanta e muda de assento, para a última fileira do vagão. Ao lado do lugar onde ele senta, está a jovem e bela Celine (Julie Delpy). Ele olha para ela. Ela olha de volta, enquanto finge se concentrar em um livro. Ele insiste. “Imagina se nós dois casarmos e, daqui a vinte anos, estivermos brigando daquele jeito?”, brinca Jesse, e Celine sorri. Ali começava uma grande história de amor, idealizada como uma trilogia pelo cineasta Richard Linklater.
“Antes do Amanhecer”, de 1995, acompanha os dois jovens enquanto eles caminham pelas ruas da antiga cidade de Viena e se descobrem um no outro. Ela é francesa. Ele é americano. Ambos estão decepcionados com relacionamentos amorosos e incertos sobre o futuro que os espera na volta para casa. Com uma cumplicidade franca – que, talvez, só possa existir mesmo entre completos estranhos – os dois conversam abertamente sobre o amor, os sonhos, sexo, vida e morte, tudo isto enquanto passeiam por entre vielas medievais com paredes cheias de significados, restaurantes vazios, mendigos poetas e cemitérios secretos.
Deitados sob as estrelas em um parque da cidade, os dois se apaixonam. Na manhã seguinte, o trem de Celine vai embora para a França, e o avião de Jesse decola em direção aos EUA. Antes do destino separar os dois, o casal troca juras de amor, e ambos prometem se reencontrar novamente em Viena. O filme acaba e nos deixa a sensação de um romance que é, ao mesmo tempo, verdadeiro e efêmero, ingênuo e real.
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Nove anos depois, em “Antes do Pôr-do-Sol” (2004), reencontramos Jesse em uma sessão de autógrafos da turnê internacional de seu livro, bestseller nos EUA. Em meio às perguntas dos jornalistas, ele perde o fôlego quando percebe que está sendo observado por Celine. Ambos vão tomar um café e acabam conversando sobre uma faceta mais madura dos mesmos problemas existenciais. Ele está casado e tem um filho. Ela namora e tem um emprego nas Nações Unidas. Aperfeiçoando sua fórmula, Linklater segue o diálogo entre os dois em ‘tempo real’, sem nenhuma elipse temporal entre a primeira e a última cena do filme, e a história termina com um tom de esperança para o futuro do casal – o amor, parece, venceu o tempo.
Parece um felizes para sempre? Nada disso.
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Especialmente por já conhecermos tão profundamente os personagens e nos acostumarmos com a sintonia do trabalho entre Hawke e Delpi (ambos geniais em seus papéis) é que o tom melancólico que permeia “Antes da Meia-Noite” atinge em cheio seu objetivo dramático. Dessa maneira, seu ápice emocional consegue nos alcançar em um nível pessoal; é como assistir um casal de velhos amigos se despedaçando.
O ano é 2013. Jesse e Celine estão passando férias em uma ilha grega em companhia de suas duas filhas gêmeas e do filho adolescente de Jesse, fruto de seu primeiro casamento. O longa começa com a despedida entre o pai e o filho no aeroporto – as férias de verão do garoto acabaram, e ele tem que voltar para a sua escola nos EUA.
No carro, durante o caminho de volta para uma pousada, descobrimos que o fato de ver pouco o filho incomoda Jesse, e que ele se vê obrigado a ficar afastado dos EUA por causa do trabalho de Celine. Entre risos e brincadeiras, surge a semente de um conflito inevitável.
O ritmo da narrativa, mantido durante toda a trilogia pelo cineasta Richard Linklater (que move a câmera em cenas longas, pontuada por diálogos com um número mínimo de cortes) é essencial para o espectador entender a verdadeira beleza do filme – que consiste no envolvimento genuíno entre os dois personagens e o ambiente que os cerca. É mais do que assistir um casal conversando. Aos poucos, também nos apaixonamos por Jesse e Celine, entendendo seus sonhos e seus medos.
Por isto que é tão terrível observar o abismo que o tempo criou na comunicação entre os dois. Celine está totalmente envolvida com a carreira e com as filhas, enquanto Jesse tenta buscar inspiração em outras mulheres, enxergando apenas uma sombra daquela garota que conheceu anos atrás. Os personagens, maduros, aprenderam que o amor caminha de mãos dadas com o ódio. Que a vida foge ao controle. Que a satisfação plena não existe.
Mesmo assim a paixão ainda grita. O coração, cheio de cicatrizes, ainda pulsa. “A vida é feita para ser difícil. Se não fosse assim, nunca aprenderíamos nada”, desabafa Jesse, analisando o fim do relacionamento que desenvolveu com sua musa inspiradora. “Será que aprendemos alguma coisa? Será que não somos, ainda, os mesmos de sempre?”, reflete Celine, em uma pergunta que fica sem resposta. O amor sobrevive – mas talvez seja uma ilusão; uma chama que precisa ser alimentada e (re)inventada para não se extinguir completamente.
Para os apaixonados por cinema, acompanhar o trabalho de Linklater é como assistir a uma aula sobre as facetas paradoxais do sentimento humano, mostrados através de uma câmera. Para os apaixonados em geral, a trilogia é uma obra-prima do romance, difícil de ser comparada com qualquer uma lançada nas últimas duas décadas.