Creatio Continua

Mês: agosto 2021

Conversas Avessas – Rafael Ceribelli

Nosso convidado vem conversar sobre sua incursão no audiovisual e a criação de curtas. Rafael Ceribelli é formado em filosofia e jornalismo. Chegou a fazer um mestrado em Comunicação, na Universidade Estadual de Londrina, desenvolvendo uma pesquisa sobre Federico Fellini e CG Jung. Acabou fisgado pelo cinema. Fez cursos de direção e roteiro pela New York Film Academy, Raindance Film School e MET Film School. Foi finalista do prêmio ‘Media Hero’, em 2019, pela Royal Television Society – Thames Valley Awards. Desde 2013, trabalha com audiovisuais nas funções de Diretor, Roteirista, 1° Assistente de Direção, Montador e Produtor. Vive em Londres, onde é diretor da produtora e development hub ScriPitch Media.

Bocado de Histórias – 24/07/2021

Arte testa olhares curiosos sobre a natureza humana

Publicado por rededejornalistas

Para o jornalista, filósofo e cineasta Rafael Ceribelli, “a arte vai salvar a gente, de uma forma ou de outra”

Ouvir o jornalista Rafael Ceribelli Nechar falar sobre as experiências que o levaram a produzir cinema em Londres, ao lado da esposa Marina, com apenas 34 anos, nos faz acreditar que sonhos podem se realizar quando combinamos oportunidade e dedicação. E que a beleza do sonho é que ele é tão mutável quanto nós.

“Os sonhos estão em constante movimento.  Acho que todo filme que eu fiz foi um sonho realizado, porque cada um deles é uma aventura diferente. E todos foram marcantes de alguma forma, todos tiveram experiências importantes e significativas. Eu gostaria de continuar fazendo filmes e fazendo sets e tendo experiências significativas. Acho que sonho é muito mais do que uma lista de tarefas de coisas que quero ou não fazer”, propõe.

Nascido em São Paulo, Rafael mudou-se com a família para Londrina quando ainda era bebê e aqui construiu sua vida até mudar-se para a Inglaterra, em 2018. Filho de médicos, ele é o terceiro entre os irmãos Alexandre, Carlos e a caçula Fabiana. É no relacionamento familiar, baseado em conversa, troca e estímulos, que ele encontra a base que permeia sua arte.

“A gente se retroalimenta. Minha família tem uma veia muito artística, mesmo meus pais sendo médicos. Minha avó era pianista e meu pai sempre tocou instrumentos musicais. Ele tocou bongô e piano. E meu irmão é músico, então sempre tivemos uma coisa com arte muito definida.”

Para Rafael, a influência da família está em tudo o que ele faz. “Eu sinto que conforme eu vou ficando mais velho, cada vez mais estou parecido com meu pai e, em alguns aspectos, com a minha mãe. Vou me identificando neles”, confessa o jornalista-cineasta, que foi criado num ambiente de muita liberdade de escolha.

“Meu irmão mais velho, Alexandre, foi músico muitos anos e hoje está no direito. O Carlinhos é jogador de computador e programador, eu trabalho com cinema e a Fabiana é médica. Foi ela quem seguiu a carreira dos meus pais, mas não por algum tipo de imposição. Isso que é legal. Todo mundo escolheu um caminho e isso é muito importante. A gente é diferente, mas todo mundo se respeita nas diferenças e cresce junto nas diferenças”, define Rafael, reconhecendo que o interesse pelo cinema veio colado às influências dos irmãos e dos pais durante toda sua infância.

Esse ambiente convidativo a ser autêntico se perpetuou pela adolescência do jornalista, que mantém grandes amigos “para a vida inteira” feitos na época do colégio. “São minha família e em quem confio como irmãos.”

“Conheci bastante gente na adolescência, fiz bastante coisa, inclusive eu já fazia filme. Já pegava a câmera e fazia umas coisas para o colégio. Tem vários filmes que até hoje eu assisto e dou muita risada, vendo que já tinha uma semente ali de alguma coisa.”

Mas Rafael confessa que não foi muito estudioso: “Eu gostava de estudar o que eu gostava de estudar. Sempre fui muito ruim em matemática, em química orgânica. Esse tipo de coisa não me interessava nem um pouco. Eu adorava filosofia, sempre gostei de história. Eu gosto muito de perseguir aquilo que me atrai, não estudo por obrigação”.

Para ele, o que aprendeu nas diversas experimentações adolescentes e nas conexões com os amigos foi muito marcante: “Você aprende muita coisa se relacionando com as pessoas”, avalia o jornalista, que é mestre em comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e filósofo. “Fazer filosofia foi algo que, definitivamente, mudou meu jeito de pensar sobre as coisas, sobre a minha vida.”

Trabalhando na produção para cinema, quando não está escrevendo, Rafael lê, vê filmes, ouve música, sempre buscando novidades interessantes para seu trabalho. “Tenho esse hábito de ler sempre um livro de filosofia e um livro de literatura ao mesmo tempo. Para uma tarde de folga, eu vou para a filosofia e para meu dia a dia no metrô, eu leio literatura”, sugere o jornalista, que mergulhou no universo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer durante a pandemia.

Fotos: Arquivo Pessoal

O cineasta, que tem mestrado na obra de Federico Fellini, tem buscado os clássicos do cinema que ainda não viu e assistido a muitas séries por conta do confinamento, quando as produções cinematográficas arrefeceram na Europa. “Eu comecei a ver Antonioni e muito Bertolucci e agora estou começando a ver Cassavetes, um cinema mais independente americano. As horas vagas servem como anteparo para o meu trabalho, tudo se alimenta e entra na minha criação e na minha visão de mundo.”

Ele recorda que o cinema esteve com ele desde muito pequeno. “O fascínio pelo cinema me atingiu antes de pensar em trabalhar com cinema, de pensar em fazer filme. Eu brinco, mas é uma brincadeira com fundo de verdade: eu sempre gostei muito de Indiana Jones. Não quero ser igual a esse cara, eu quero explorar como ele, quero entrar nessa de buscar o tesouro, e o cinema tem um pouco a ver com isso, com esse fascínio que eu tive primeiro com as aventuras e que depois foi amadurecendo.”

Segundo Rafael, ele passou a sentir que a vida de cineasta é uma vida que vale a pena ser vivida. “Eu acho que você tem que ser apaixonado para fazer cinema porque é muito trabalho e um trabalho muito incerto. Então, fazer cinema é sempre um salto de fé.”

Para ele, atuar na produção cinematográfica sempre foi um sonho que foi despertando aos poucos, a cada filme novo do qual participou. “Cada trabalho tem um gosto especial, cada projeto tem uma sensação diferente e que levo na bagagem até o próximo”, comenta o jornalista, que já atuou em diversos trabalhos, com vários papéis diferentes dentro da produção, desde assistente de direção até diretor.

“Cada um desses é uma aventura, um outro tipo de relação que você tem como o material. Já fiz curta-metragem com uma equipe minimamente profissional sem dinheiro, mas também já participei de projetos mais estruturados, como um curta que vai passar em Londres e foi selecionado para um festival recentemente.”

Segundo Rafael, a experiência no set é um tipo de simbiose: “Você está num lugar, criando uma coisa junto. Existe uma certa mágica nisso, então acho que o cinema é isso, é apaixonante nesse sentido e é isso também que me inspira, essa descoberta de sempre estar fazendo uma coisa nova e sempre estar buscando um olhar novo, alguma coisa interessante”.

Ele tem vários projetos engatados enquanto vive em Londres, onde montou uma produtora com a esposa, que é fotógrafa. “Vários projetos estão caminhando mesmo com a pandemia, o desafio foi não deixar a criatividade estagnada, tentar sempre ver uma saída, uma solução para continuar criando e para continuar trabalhando.”

Escrever, para ele, que acumula as funções de jornalista e filósofo com a de cineasta, é fundamental, especialmente quando trabalha com roteiro. “Fiz uma consultoria de roteiro de uma série de ficção científica e escrevo meus roteiros, tenho meus projetos pessoais e tudo passa pela escrita”, diz Rafael, que busca inspiração na leitura e na música. “Você quase que empresta a sua escrita dos outros e ao produzir uma cena, acaba se descobrindo através da sua própria escrita”, filosofa.

Ser jornalista é bagagem importante para o produtor de cinema. “Eu nunca vou deixar de ter esse olhar da curiosidade, de descobrir o outro, de ser interessado pela natureza humana. É a intersecção entre a filosofia e o jornalismo, que conversam de uma forma complexa.”

Morando na capital inglesa desde 2018, ele se mantém com os projetos da produtora que criou com a esposa, além de trabalhar no levantamento de metadados para empresas desenvolvedoras de videogames e como produtor de conteúdo para mídia social.

Viver fora do Brasil neste momento de pandemia, que agravou a crise brasileira, é um momento particular, de quebra de paradigma, na opinião do cineasta. “É um momento de reconstrução porque o mundo em que a gente vivia rapidamente está ficando para trás. Eu sinto isso, que ele está escapando. É muito difícil explicar como é morar fora porque sou brasileiro, tenho todos os meus amigos e a família no Brasil, então o Brasil me dá uma angústia muito grande.”

Para o filósofo Rafael, a pandemia evidenciou o abismo entre as relações e o caldeirão de ódio que virou o país. “Acho que a questão é global, que a gente vai ser ainda analisado por gerações futuras como uma sociedade que estava vivendo em conflito. Um choque de ideologias, evidenciado pelo mundo ultra conectado pela mídia social. A internet virou uma máscara e as pessoas acham que podem dizer o que quiserem, podem distorcer os fatos e é muito danoso.”

Ele sugere que a sociedade deve filtrar a forma como recebe informação. “Acho que o jornalismo tem essa vocação, a filosofia também. Você tenta aprofundar, mas num aspecto para você encontrar uma coisa lógica que, no mínimo, seja funcional”, opina o jornalista, reconhecendo que a política praticada nas mídias sociais atualmente é “muito agressiva”.

“Eu acho que é um momento particular da nossa história como humanidade e a arte vai salvar a gente de uma forma ou de outra. Eu acredito nisso e esse é um caminho que eu pretendo continuar seguindo, porque a gente vai continuar criando, tem que continuar analisando a sociedade com olhos que sejam um pouco mais profundos, menos imediatistas, pensando mais em qual mundo a gente vai querer construir e no que precisamos abandonar.”

*Mariana Guerin é jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras. Siga @bolachinhasdamari

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