“A Primeira Coisa Bela” (Drama/Comédia. Itália. 122 min). Dirigido por Paolo Virzi. Na programação do Cine-Comtour/UEL até dia 28 de setembro.
Tendo início na pequena cidade italiana de Livorno no começo da década de 70, o primeiro plano revelado pelas lentes do diretor italiano Paolo Virzi é um pouco desconcertante. Em uma imagem saturada que lembra uma novela mexicana, em meio a um concurso de beleza o apresentador declara no microfone uma surpresa na programação: “Agora, vamos escolher a mamãe mais bonita da Região. Nossos assistentes estão selecionando algumas dessas mulheres para subirem ao palco”. Com uma beleza rara, Anna Nigiotti Michelluci (Micaella Ramazzotti) é escolhida e imediatamente premiada, ganhando uma canção especial e uma faixa. Animados, os seus dois filhos pequenos Valeria (Aurora Frasca) e Bruno (Giacomo) comemoram o sucesso da mãe, enquanto o seu marido Mario (Sergio Albelli) fica visivelmente irritado com o assédio.
Com uma elipse temporal de quase 40 anos, conhecemos um pedaço da tediosa vida do adulto Bruno (Valerio Mastandrea), um professor frustrado que suporta diariamente suas insatisfações através do consumo de bebidas e drogas. Flertando com o surreal, a personalidade do nosso protagonista é fascinante: cínico e mal-humorado ao extremo, em poucos minutos de projeção já percebemos que Bruno foge de qualquer tipo de relacionamento, projetando seu escapismo de uma forma estranhamente agradável – ridícula, mas com uma ironia fina e que acaba causando simpatia pelo pobre coitado. A vida medíocre do personagem sofre um choque quando sua irmã Valeria (Claudia Pandolfi) dá a notícia de que sua mãe (Stefania Sandrelli) foi diagnosticada com câncer terminal, e só lhe restam poucas semanas de vida. Depois de ter fugido de casa na adolescência, Bruno não fala com ninguém da sua familia há 20 anos, e nesse momento é que o filme caminha, lentamente, para o gênero de drama familiar.
Se a sinopse indica uma história simples – e que já foi contada diversas vezes – a excelência dos atores e os toques de Virzi conseguem renovar a velha fórmula com sucesso, principalmente através de uma combinação agridoce de diferentes universos, com pitadas equilibradas de drama e comédia. Primeiro, para revelar os segredos de uma narrativa que se arrasta durante décadas, as linhas temporais do filme se comprimem e se entrelaçam inteligentemente, indo e vindo em três fases distintas que acabam culminando na crise familiar e na separação de seus integrantes.
Sofrendo por ser uma mulher de personalidade e sexualidade intensa dentro de uma sociedade especialmente machista, os problemas da jovem e bela Anna começam exatamente após seu destaque no concurso de beleza, quando Mario sofre uma crise de ciúmes e a expulsa de casa junto com os filhos. Revoltada por não encontrar abrigo na casa da própria irmã, ela é obrigada a ficar hospedada em um albergue. Lá, ela conhece um jornalista que a apresenta para seu círculo de amigos, que trabalham com cinema; fascinada pela possibilidade de ser uma atriz e trabalhar com nomes como Marcello Mastroianni, ela começa a fazer parte de um outro círculo social, escolhendo um caminho que – como já é esperado – guarda grandes alegrias e decepções profundas.
Lançado em 2010, não é apenas pelo fato de ter alcançado um grande sucesso de público que o filme foi escolhido para representar a Itália no Oscar do ano passado. Sutilmente, a influência de mestres como Fellini e Rosellini começam a ganhar forma em algumas pinceladas especiais do filme; principalmente através de cenas que reúnem conversas secundárias – mas não menos importantes – e que sublinham com humor e delicadeza a fama da personagem de Anna na pequena cidade (como fofocas entre as cozinheiras de uma festa ou conversas nos vestiários dos colegas de Bruno). A história nunca é morna e, mesmo sendo pontuada por picos de dramalhão e de histeria – de maneira italianíssima – é um prazer descobrir que todos os personagens são tratados com carinho, representados de maneira multi-dimensional. Depois de certo ponto no filme, o sentimento que temos é de como se conhecêssemos aqueles cidadãos de Livorno e, por esta razão, compartilhamos e entendemos suas emoções e seus conflitos.
Transitando entre um leque de grande diversidade emocional, o filme se sustenta mesmo na ótima interpretação de todos os elementos que compõe o seu elenco principal e secundário (as crianças, o adulto Bruno e a belíssima Anna são destaques) e que conseguem amarrar a dinâmica do filme, exibindo os meandros de uma relação familiar que, mesmo bastante conturbada, é também repleta de carinho, de pequenos gestos de amor e de palavras não ditas.
Em uma das cenas mais emocionantes do longa, enquanto o adulto Bruno dança uma valsa lenta com sua mãe ele pergunta, com uma sinceridade arrebatadora: “Mamãe, porque sou tão infeliz?”. Ela não responde, mas esta é uma questão que ressoa ao fundo durante toda a narrativa do longa, sublinhada especialmente pela teia de memórias do próprio personagem. Incompletos individualmente, a união de uma família tão disfuncional também surge como metáfora perfeita para a complexidade de todas as relações humanas: sem culpados ou inocentes, exercemos papéis distintos nessa ópera trágicômica que apelidamos de vida. Até o fechar das cortinas.