Eros e Psiquê 7

 

Acordei de uma só vez, escapando de um sonho que não me lembro bem. Demorei alguns segundos para entender aonde estava.

Ela dormia em meus braços, com olhos inchados de tanto chorar. Sorri para mim mesmo, beijando com cuidado as sardinhas de seu nariz, sem querer acordá-la. Adorava observar ela dormir igual uma criança, sempre dando pontapés e perdida dentro de seu próprio universo particular – um lugar que eu nunca conseguiria chegar.  “Lembre-se desta noite, pois ela é o começo de toda eternidade”.

Eram 6h05 e a luz opaca da manhã invadia as frestas da janela, iluminando o quarto.  O rosto dela colado no meu, suas pernas entrelaçadas com as minhas.

Como podia existir alguém  tão linda?

Senti um aperto triste no peito. Sabia que a areia escapava por entre nossos dedos e que, depois daquela noite, nada nunca mais seria igual. “Depois que te conheci, nada foi igual”, pensei,  quase em voz alta. Encarei o silêncio, respirando o clima daquele quarto abafado, com cervejas abandonadas pela metade em todos os cantos.

Sabia que, no fundo, era um grande idiota, engasgando com palavras que sempre quis dizer, inventando desculpas para minha própria incapacidade; acho que somos todos, de certa forma, incompletos. Náufragos de nós mesmos, por muitas vezes permanecemos submersos nos cantos desconhecidos de nossas próprias almas.

E quando ouvimos o sopro inebriante de Eros cochichando em nossos ouvidos e ressuscitando sentimentos adormecidos, entendemos por um instante o que é aquela insanidade poética chamada ‘amor’. Podemos sentir ela chegando, com ouvidos colados no chão, como se um imenso vagão de trem estivesse se aproximando e fosse, inevitavelmente, passar por cima de nossa pobre razão. Ah, a razão. O futuro. Os planos. Foda-se tudo isto.

Estiquei meu braço, alcançando o isqueiro e o maço de cigarros que estavam espalhados em cima da escrivaninha de madeira barata, já descascada pelo tempo.

Quem é ela?

Uma garota qualquer, uma coincidência feliz, um golpe de sorte, o amor da minha vida?

“Não quero voltar atrás”, decidi.

“Não existe mais volta”, respondi para mim mesmo.

Ela acordou.