“O Que eu Mais Desejo” (Drama/Comédia. Japão. 128 min). Dirigido por Hirokazu Kore-Eda. Na programação do Cine-Comtour/UEL até dia 6 de setembro.
“Por quê ele solta fumaça? Eu não entendo”, esta dúvida ingênua persegue o jovem Koichi (Koki Maeda), enquanto ele observa de sua janela o vulcão ativo nas redondezas da cidade de Kagoshima. A questão fica martelando na cabeça do japonesinho que, depois de falhar em tentar descobrir a resposta com seus amigos na escola, repete a pergunta durante um passeio com seu avô (Izao Hashisume). “Porque ele está vivo e, como tudo que está vivo, também precisa relaxar de vez em quando”, reflete.
O tema do filme japonês “O Que Eu Mais Desejo” (que o título em japonês, ‘Kiseki’, pode ser traduzido literalmente por “Milagre”) não é sobre os mistérios de um vulcão; tampouco o longa pode ser rotulado como um drama familiar ou uma comédia inocente de amizade. Com um pouco de tudo, as linhas narrativas criadas pelo cineasta Hirokazu Kore-eda entrelaçam diversos aspectos, todos nascidos dentro seu universo preferido: o do espírito infantil.
Logo de início, somos apresentados para duas histórias paralelas: em uma delas, a narrativa acompanha a vida de Koichi, que com doze anos de idade ainda sofre com a recente separação de seus pais, fato que o obrigou a se mudar da cidade de Fukuoka para viver junto com sua mãe e seus avós. Do outro lado, está o seu irmão mais novo Ryunosuke (Ohshirô Maeda), que preferiu ficar com o pai (Jô Odagiri) e está se adaptando rapidamente a sua nova realidade familiar.
Separados há apenas seis meses, o modo de criação dos garotos já revela reflexos profundos na personalidade dos irmãos; mais mimado pela mãe e pela avó, Koichi acaba desenvolvendo traços reservados, tímidos e que o fazem ser mais dependente dos adultos. Enquanto isto, o modo de vida do pai – guitarrista em uma banda de rock – faz Ryu aprender as vantagens de se virar sozinho, e o garoto passa o tempo todo envolvido em brincadeiras que exercitam sua criatividade. Apesar de geograficamente separados, os dois irmãos se falam todos os dias pelo telefone e fica evidente que ambos estão cada vez mais distantes: enquanto Ryu aproveita sua nova vida, Koichi ainda sonha em ter seu antigo lar de volta, e em uma vida junto com sua mãe, seu pai e seu irmão.
No meio de uma tediosa aula de ciências, Koichi ouve uma conversa entre seus colegas dizendo um segredo extraordinário: a lenda diz que, no momento em que dois trem-bala se cruzam em trilhos paralelos, é produzida uma energia ‘mágica’, que faz com que qualquer desejo seja realizado. Fascinado pela possibilidade de conseguir reunir novamente sua família, Koichi começa a armar um plano com seus amigos para viajar até o lugar onde todos seus sonhos vão se tornar realidade.
Parece bobo, mas é aí que o coelho sai da cartola: a narrativa criada por Kore-eda evita cair em uma espécie de realismo fantástico exagerado e, mesmo com desejos mirabolantes, as crianças enfrentam problemas do mundo real. Com isso, o roteiro não foge da angústia que desemboca no crescimento gradual dos personagens, e os sonhos dentro do núcleo infantil também se contrapõe, sutilmente, às ambições da vida dos adultos no filme – enquanto o melhor amigo de Koichi sonha em se casar com a professora/bibliotecária, seu avô pensa em voltar a vender seus doces caseiros, e seu pai quer se transformar em um futuro astro do rock; mesmo com objetivos bastante diferentes, o sentimento que move os personagens é, na essência, o mesmo.
Além dos ótimos protagonistas (Koki e Ohshirô são irmãos na vida real, e conseguem transmitir um carinho fraternal que nunca soa falso), todas as crianças tem interpretações de destaque, e a maneira que o diretor Kore-eda confere camadas profundas nestes pequenos atores e atrizes merece todo reconhecimento. Dentro de uma melodia leve e descompromissada, algum tom dessa narrativa ressoa emocionalmente em todo o público; seja nos sonhos do garoto que quer ser jogador de baseball, na aspiração da menina em ser uma atriz de talento ou do jovem que aprende a enfrentar a morte de seu bichinho de estimação, existe uma identificação universal com esta parcela de inocência infantil, que nos faz lembrar de que ela é uma semente fundamental para as descobertas e o crescimento do ser humano.
Emocionante, divertido e surpreendente. “O Que eu Mais Desejo” consegue renovar o gênero de ‘filme de amadurecimento’ sem cair em nenhum clichê, e ainda suscita uma reflexão sobre os motivos de nossos desejos mais profundos. Porque sonhamos? Porque estamos vivos. E porque apenas a vida, nua e crua, é insuportavelmente chata.