MATÉRIA DO JORNAL FOLHA DE LONDRINA (16/06/2018) ESCRITA POR MARIAN TRIGUEIROS. FOTO DE MARINA PIRES.

Quando o diretor de cinema Rafael Ceribelli leu pela primeira vez o roteiro do curta metragem “Inventário”, dois anos atrás, teve a certeza de que a história não ficaria guardada na gaveta. Era o primeiro texto do gênero da jornalista Alessandra Pajolla para conclusão de um curso para o Núcleo de Dramaturgia Audiovisual Londrina do Sesi, que, à época, nem imaginava o que estaria por vir a partir dali. A vida deu pequenas voltas e, pouco tempo depois, os dois trabalhariam juntos em outros projetos. Com a aproximação, durante um intervalo e outro, trocavam ideias para ajustes e melhorias do roteiro em questão. “A ideia central foi mantida; o texto foi sendo apenas lapidado e amadurecido”, lembra o diretor, sobre os tratamentos realizados posteriormente pela autora.

De lá para cá, a vontade de ambos em tirá-lo do papel e gravar foi tomando corpo. “Participei de praticamente todo o processo. Como seria o primeiro roteiro que não era meu que dirigiria, isso me ajudou a formatar a maneira como contaria essa história e transformaria a ideia em outra linguagem e imagens”, relata Ceribelli. A aprovação do roteiro no edital de Produção e Distribuição de Obras Audiovisuais, realizado em 2017 pela Seec (Secretaria de Estado da Cultura), em parceria com a Ancine (Agência Nacional de Cinema), foi o pontapé que precisavam. O edital contemplou sete projetos do interior do Estado, sendo seis de Londrina. “Começamos, então, a produção e a execução propriamente dita com todas suas aventuras, desafios e limitações.”

Uma dessas dificuldades seria encontrar espaços para a gravação das cenas, já que não há na cidade nenhum estúdio específico para a atividade. O levantamento de locações ficou a cargo do produtor de locação e designer de produção Bruno Marconato que, em sua pesquisa, incluiu pontos que fazem parte da história da população de Londrina, porém, não são, necessariamente, turísticos. Entre eles, está a redação de jornalismo da Folha de Londrina, localizada desde 1957 no Condomínio Conjunto Folha de Londrina (que integra o complexo composto pela sede do Grupo Folha de Comunicação, Edifício Angélica e Edifício Mônaco). Na lista de locação estão ainda o tradicional Estoril Bar (aberto em 1962 por Lucílio Antunes Anacleto), Ferro Velho Batista, Barbearia Londrina e Pedreira da região Sul.

GRAVAÇÕES

O primeiro dia de gravações aconteceu há duas semanas, na redação da FOLHA, e movimentou um grupo de cerca de 30 pessoas entre atores, figurantes e equipe técnica. “A história não é caracterizada na cidade, mas em um grande centro urbano não declarado. Porém, quem é de Londrina conseguirá reconhecer alguns locais”, explica Marconato. Para que os ambientes estivessem dentro da perspectiva visual da direção de fotografia comandada por Anderson Craveiro, foram feitas apenas pequenas intervenções, como retirada ou colocação de alguns objetos. “Todos esses lugares são espaços que trazem muito das características das pessoas que fazem parte dali. A redação da Folha de Londrina é um ambiente com vida, que realmente funciona, o que traz ainda mais veracidade para a cena”, pontua.

Na cena gravada, o protagonista – Ralf, um cartunista de meia idade vivido pelo ator Adriano Garib – caminha por parte da redação até chegar à sala de seu chefe vivido pelo jornalista e ator Jersey Gogel, quando leva um esporro e, depois, sai direto para o bar, neste caso, o Estoril (no Centro Comercial). Apesar dos poucos minutos, será possível ter uma ideia de onde trabalham os jornalistas da Folha de Londrina, cuja configuração das mesas está distribuída em “ilhas”, mostrando a dinâmica de uma redação de jornal. “Não entrava da redação do jornal há mais de 20 anos e, nestas gravações, revivi muita coisa e revisitei alguns lugares do período em que morei na cidade, de 1983 a 1994. A escolha das locações pela equipe foi de extrema sensibilidade, que também executou planos ambiciosos de filmagem”, comenta Garib, que é formado em Jornalismo pela UEL (Universidade Estadual de Londrina).

A história de “Inventário” trata de questões familiares e a relação conturbada com o pai que o cartunista Ralf tem de reviver após a morte dele. “Ralf é um artista talentoso e criativo que desenha em todos os cantos. Tem um perfil taciturno e ao mesmo tempo muito boêmio, como os jornalistas da velha guarda. Depois da morte do pai, ele precisa superar os traumas que o atormentam e acertar as contas com o passado”, detalha a roteirista Pajolla, que também é assistente de direção do curta. As locações escolhidas, bem como os atores e equipe técnica, segundo ela, trouxeram outras perspetivas ao roteiro que ganhou outras camadas com a participação dos profissionais. “A partir do momento em que se entrega o roteiro, a história não é mais sua. Ver de perto essa transformação não foi fácil, mas foi surpreendente”, avalia.

LONDRINA NA ROTA

No total, sete projetos de curtas foram contemplados neste mesmo edital com verba exclusiva para cidades do interior; cada um receberá o recurso de R$ 60 mil. Ao todo, o edital destinou no Estado R$ 3,75 milhões para a produção de curtas e longas-metragens, telefilmes e projetos de distribuição de obras cinematográficas em geral. Nesta lista, estão ainda os curtas-metragens londrinenses “Pequenos Delitos”, de Roberta Shizuko Takamatsu; “A Rainha Negra das Passarelas”, de Artur Ianckievicz Filho Cleo; “Redenção”, de Alessandra Pajolla, “Nigredo”, de Auber Silva Pereira Filho; e “O Padre e o Bento”, de André Luiz Bett Batista, da cidade de Maringá.