Post referente aos episódios 1-3 de Boardwalk Empire – Segunda Temporada.

 

 

Uma cena que me vem na cabeça é a primeira de todas; o navio, ecoando o seu sino, em meio ao espesso nevoeiro, avisando que mais uma remessa da cobiçada (e proibida) bebida acabava de chegar no cais. Tudo nessa singela cena é perfeito. Olhando através das camadas quase fantasmagóricas de nuvens, quando percebemos estamos envoltos em um outro mundo, uma outra década, uma outra experiência.

Produzida pela HBO (o que hoje, por si só, já indica um selo de alto nível de qualidade), a série Boardwalk Empire já nasce grandiosa, imponente. Dirigida por Martin Scorsese em parceria com o menos conhecido – mas altamente talentoso – Tim Van Patten (que tem no currículo episódios de Familia Soprano, The Pacific e Game of Thrones), a série conta a história do poderoso  Nucky Thompson (Steve Buscemi) que, depois de um período estabilidade pacífica no poder de Atlantic City, começa a ver sua influência política e criminosa ser desafiada por diversos lados.

Do lado de ‘fora’, a ameaça é o meticuloso agente federal Nelson Van Alden (Michael Shannon) que, incorruptível, traça uma cruzada pessoal contra a bebida; de dentro, a maior ameaça contra Nucky são exatamente os seus “aliados” – seu irmão Eli (Shea Wingham) e seu afilhado Jimmy (Michael Pitt) – que já na primeira temporada não parecem completamente satisfeitos com o chefão no poder.

A segunda temporada começa com a tensão atingindo seu ápice. Nos três primeiros episódios, fica claro que o jogo mudou para Nucky, e que começam a faltar peças para ele mexer no tabuleiro. Eli e Jimmy se juntaram ao ambicioso Comodoro Louis Kaestner – pai biológico de Jimmy e antigo chefão – para tomar o poder central na distribuição de bebidas em New Jersey e New York. As familias de Chicago – representadas pelo ainda soldado Al Capone (Stephen Graham) – cortam relações comerciais com Atlantic City e Nucky começa a se sentir encurralado. A única saída é a guerra pelo poder, que vai se transformando, gradualmente, em  uma opção inevitável.

Com personagens profundos e construídos de maneira belíssima, não é por acaso que Boardwalk Empire lembra em diversos aspectos o ritmo e a psicologia exposta no maravilhoso The Sopranos (1999 – 2006). Grande parte dessa identidade se deve à Terence Winter, escritor e colaborador das duas séries. Aqui, mais uma vez, somos apresentados ao fascínio de Winter pela mente criminosa e, especialmente, pelo surgimento e desenvolvimento do crime na região de New Jersey (por isso que Boardwalk Empire é, de muitas maneiras, uma prequela para o cenário da Familia Soprano).

Além das atuações fantásticas e do desenvolvimento narrativo acima da média, a cereja do bolo em Boardwalk Empire advém de um fator incomensurável; a paixão de Scorcese pelo período das décadas de 20-50 na história americana; onde se fundamentaram as bases do que viria a ser a potência econômica dos EUA e – mais importante para o diretor – período em que Hollywood nasceu e se desenvolveu plenamente. É possível sentir o cheiro nas docas de Boardwalk Empire, dançar com o som da música dos antigos cabarés e sentir o frio percorrer a espinha em suas noites frias. O cenário é vivo, dinâmico e apaixonante. Uma mágica que só o olhar atento de Scorsese (vide os ótimos filmes “A Ilha do Medo” e “Aviador”) consegue estabelecer. Não é por acaso que ele está entre os melhores cineastas de todos os tempos.

Nota – 5/5 (Ótimo)

PS – O ‘mocinho’ Van Alden, longe de ser um personagem perfeito, representa a hipocrisia e a perversão que acompanha qualquer fanatismo religioso. Uma ironia ideal.

PSS – Reparem na cena que Al Capone, tentando ser durão e prepotente diante da morte do pai, se desmancha por dentro ao observar Jimmy ajudando o filho pequeno a amarrar os cadarços. Uma atuação sutil e maravilhosa.

PSSS – Um dos personagens mais interessantes é Richard Harrow (Jack Huston), que consegue uma fantástica presença mesmo com suas expressões faciais cobertas por uma máscara medonha. Frankestein não faria melhor.