publicado em 25 de agosto de 2011

Ok, já começo admitindo, eu assisto Tru Blood.

Ok, eu também admito (envergonhado) que acompanhei os dois filmes babacas do ‘Crepúsculo’.

Este post não tem nada a ver com isso. Quer dizer, mais ou menos. Eu estou lendo um livro que chegou para mim lá na Folha, chamado “Antologia do Vampiro Literário”, que é um compêndio de todas as vezes que a emblemática figura deste morto-vivo sanguinário aparece na literatura. O livro é muito legal, e faz uma pesquisa que começa a partir no séc. XVII, quando relatos perturbadores eram feitos em algumas regiões do Leste Europeu (onde, não coincidentemente, está localizada a Transilvânia, lendária moradia do Conde Drácula)

Ainda mais fascinante do que propriamente o debate sobre a existência ou a não-existência dessas criaturas é perceber que, nas cartas escritas por oficiais militares e cientistas ´esclarecidos´, existe um verdadeiro embate racional/emocional correndo pelas entrelinhas. É como se, em territórios mal-assombrados, os homens educados fossem tomados subitamente de um medo do desconhecido, do inevitável, da tragédia que sua limitada ciência não compreende e para qual o método racional perde toda sua utilidade..

Talvez, o renascimento do vampiro (e de outras criaturas sobrenaturais) na cultura popular aponte características exclusivas de determinadas épocas. Porque em pleno séc. XVIII, no berço das luzes, do Aufklärung, em que a humanidade louvava a ciência e ficava impressionada com a sua própria racionalidade, a figura mística do vampiro começou a fazer parte do senso comum? Expressando um paradoxo, quase 300 anos depois, estamos finalmente cegos por nossas próprias luzes científicas, vivendo em um mundo hipócrita, conectados, sempre trabalhando, e plenamente satisfeitos com nossa masturbação metodológica, racional, fria, lógica, desumana. Fascinado pelas luzes da caverna, quase esquecemos que precisamos de escuridão; precisamos – como a coruja da Filosofia – sobrevoar o desconhecido no silêncio, enquanto todos os outros animais dormem tranquilamente.

O vampiro não representa apenas nosso reflexo oculto, nosso fascínio pela morte e pelo lado negro da alma. Ele representa tudo aquilo que negamos em nós mesmos, todos os instintos primários que tentamos, inutilmente, asfixiar com padrões e comportamentos socialmente aceitáveis, o ódio e os pecados que deixamos para trás, junto com parte de nossa humanidade.

Parece que os monstros, afinal, tem muito o que nos ensinar.

**abaixo alguns trechos da Antologia do Vampiro Literário, editadas por Ceriblog
“Eis o que se lê nas cartas Judias, de 1738;
Acaba de ocorrer nessas paragens (Hungria), uma cena de Vampirismo devidamente comprovada por dois oficiais do Tribunal de Belgrado, que estiveram no local, e por um Oficial das Tropas do Imperador, testemunha ocular dos procedimentos. No início de setembro morreu, na vila de Kisinova, um velho de sessenta e dois anos, depois de três dias de ser enterrado, ele apareceu novamente para seu filho, pedindo algo para comer. Ele comeu e depois desapareceu. No outro dia, o filho reportou o caso para o Oficial Imperial.
Na noite seguinte, o filho e outros cinco habitantes da pequena vila amanheceram mortos. O Oficial Imperial, sabendo das circunstâncias, mandou abrir todos os túmulos daqueles que haviam morrido na última semana; quando chegaram ao Velho, encontraram-no de olhos abertos e vermelhos, respirando naturalmente mas, ao mesmo tempo, imóvel como um morto. O Carrasco lhe enfiou uma estaca no coração, e nesse momento o cadáver soltou um grito lancinante, jorrou sangue e finalmente morreu.
Graças a Deus, não acreditamos em nada disso. Admitimos, porém, que todas as Luzes da Física que possamos lançar sobre esse fato são incapazes de nos revelar algo de suas possíveis causas. Todavia, não podemos refutar como verossímil um fato comprovado juridicamente, e por autoridades confiáveis.”
 
Nota – 4/5 (Muito bom)