*Traduzido e editado por Ceriblog
Quando você pergunta para escritores como eles aprenderam a técnica da escrita – como aprenderam a fazer um bom trabalho – eles normalmente respondem que o aprendizado foi através de ‘muita leitura’. Hoje em dia, existem ‘escolas de cinema’, cursos que ensinam ‘escrita criativa’, e assim por diante. Você acredita mais no auto-aprendizado do que naquilo que acontece em escolas, especialmente quando se trabalha em uma profissão que envolve criatividade?
Woody Allen: Com certeza. É socrático. O conhecimento entra por uma outra via em seu corpo. Por exemplo, se você quer se transformar em um músico de jazz, você precisa ouvir uma quantidade enorme de jazz. E isto é um ato de amor. Você não pára e pensa: estou estudando isto. Você ouve pela simples razão de amar aquilo. E você ama…E ama… E, gradualmente, você aprende. Realmente, tudo de valor que você aprende vem através de osmose. É o mesmo processo com a escrita, com a direção de filmes ou com atuação. Você ama ler, ou assistir filmes, ou escutar música. E de alguma maneira, com o passar dos anos, sem fazer nenhum esforço, este amor passa para dentro de seu sangue, dentro da fibra de seu corpo ou alguma coisa assim.
Estudar isto de uma maneira em que todo o processo se transforma em uma disciplina escolar é errado. Por exemplo, um ator no começo de sua carreira pode amar o Marlon Brando, e acaba assistindo aos filmes dele por várias vezes. Depois de algum tempo, quando ele próprio for atuar, ele inevitavelmente acaba atuando com o mesmo estilo de Marlon Brando. Ele não precisa tentar fazer isto. Apenas acontece que aquele jeito de atuar acaba sendo absorvido por ele. Você acha este tipo de comportamento também na música, o tempo todo. Alguma pessoa ouve Charlie Parker. E ouve, ouve e ama tudo o que escuta de Parker e aprende a tocar o saxofone e, de repente – ele soa exatamente como Charlie Parker!
Depois disso, o desafio acaba sendo se livrar da sua influência primária e começar a desenvolver um estilo próprio. Mas tudo sempre começa por um interesse muito pessoal e apaixonado. Se você deseja ensinar alguém a dirigir filmes, você pode dar este conselho: “Apenas continue indo ao cinema, que isto vai acabar fazendo parte de sua alma”.
(…)
Já foi dito que – se eu tenho algum tema principal em todos meus filmes – ele tem a ver com as diferenças entre a realidade e a fantasia. É uma coisa que acontece muito em meus filmes. Eu acho que isto se explica, em parte, pelo fato de que eu odeio a realidade. E, você sabe, infelizmente este é o único lugar onde eu posso arranjar um bom jantar com um filé suculento. Eu acho que esta tendência vem desde a minha infância, onde eu constantemente escapava do mundo real e preferia passar meu tempo em uma sala de cinema. Eu era um garoto facilmente impressionável e cresci durante a chamada “Era de Ouro do Cinema”, quando todos estes filmes maravilhosos estavam em cartaz. Eu lembro de quando Casablanca e Yankee Doodle Dandy – todos filmes americanos – estreiaram… Eu estava sempre escapando para assistir estes filmes.
Você pode deixar sua pobre casa para trás, fazer todos os seus problemas na sua escola e na sua familia desaparecerem no exato momento em que você entra em uma sessão de cinema. Ali, você é transportado diretamente para o mundo das mansões e dos telefones brancos, onde as mulheres são amáveis e os homens sempre tem alguma coisa esperta ou engraçada para dizer. Um lugar onde os heróis vencem, e tudo acaba bem , e isto é maravilhoso (…) Quando você está sentado em uma sala de cinema, você pensa que tudo isto é real. Você sabe que sua vida não é deste jeito. Você vive no Brooklin, mas existem muitas outras pessoas no mundo que tem casas como às dos filmes, que andam a cavalo de dia, conhecem mulheres lindas e vão em festas e coquetéis à noite. É apenas uma vida diferente (…) O que o escritor (ou o cineasta) faz é criar um mundo no qual ele mesmo gostaria de viver. Por isto, você se apaixona inevitavelmente pelos personagens que cria. Você gosta do que eles vestem, da maneira como falam e de onde eles moram. E você tem a chance de passar alguns meses vivendo neste mundo que você mesmo criou. Então acredito que em meus filmes exista mesmo este diálogo paradoxal: de um lado, o maravilhoso mundo dos sonhos. Do outro, a realidade desagradável.
Um dia eu li um artigo no New York Times sobre a escritora Susan Sontag e seu romance (The Volcano Lover). E uma das coisas mais interessantes que ela disse foi que, no dia em que ela entregou o livro para ser publicado, ela voltou para casa triste, se sentindo roubada de seus próprios personagens.
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