Mesmo afastado dos estudos acadêmicos, volta e meia enxergo com clareza a importância e o valor da verdadeira Filosofia, e o impacto que essa amante – muitas vezes ingrata – causa em minha vida.

Por quê?

Epicuro responde:

epicuro

CARTA SOBRE A FELICIDADE (a Menescau)

Traduzido e editado por Ceriblog

“Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito.

(…) A filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: pois quem está envelhecendo se sente rejuvenescido através da grata recordação das coisas que já se foram, e o jovem pode envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir. É necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la.

(…) Acostuma-se à idéia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência de que a morte não significa nada para nós proporciona o aproveitamento pleno de nossa vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.

Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo, portanto, quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.

O mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós filósofos, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; quando a morte está presente, nós é que não estamos vivos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos nem para os mortos, já que para os vivos ela não existe, ao passo que os mortos não estão mais aqui. E, no momento, a maioria das pessoas a foge da morte como se fosse o maior dos males.

O sábio não desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal.

Da mesma maneira pela qual o sábio opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante,  ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.

Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis (…) Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza (…) do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos.

(…) Consideramos ainda a auto-suficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela.

Tudo o que é natural é fácil de conseguir. Difícil é tudo o que é inútil. Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita.

Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não é só conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem  os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temos as vicissitudes da sorte.

Quando, então, dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam as pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente.

Nos referimos ao prazer que é a ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos.

De todas as coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ele é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, ou beleza e justiça sem felicidade.

Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.”