Retirado do livro “Story – Substance, Structure, Style”, de Robert McKee. Traduzido e adaptado por Ceriblog.

Em qualquer narrativa, a Lei do Conflito é mais do que um princípio estético; ela é a alma da história. Isto porque histórias são metáforas da vida, e estar vivo consiste em estar submerso dentro de um conflito perpétuo. Como Jean-Paul Sartre expressou, a essência da realidade é a escassez, uma ‘falta’ universal e eterna, que sempre nos persegue. Não existe o bastante de nada em nosso mundo. Não existe comida o suficiente, amor o suficiente, justiça o suficiente, e não temos tempo o bastante. O tempo, como Heidegger bem observou, é um dos problemas básicos da existência; nós vivemos dentro de uma sombra que diminui constantemente e, se um dia quisermos alcançar qualquer satisfação dentro de nossa breve e efêmera existência – algo que não nos deixe morrer com a sensação de termos apenas desperdiçado tempo – nós precisamos ir em direção ao conflito, e lutar contra as forças da escassez, que negam a realização completa de nossos desejos.

Escritores que não conseguem enxergar a verdade dentro dessa existência transitória – que foram iludidos pelos confortos do mundo moderno e que acreditam que a vida é fácil assim que você aprende as regras do jogo – esses escritores criam conflitos com inflexões falsas. Os seus roteiros falham, por uma de duas razões: seja pelo desenvolvimento de um conflito absurdo e violento (especialmente através de efeitos especiais e explosões megalomaníacas) ou pela completa falta de sentimentos honestos no papel (retratos tediosos da vida cotidiana, que evitam um conflito maior porque se fundamentam em uma existência ‘a la Pollyanna’, onde tudo é resolvido só com um pouquinho de esforço).

(…) Hoje, a luta pela sobrevivência física foi eliminada pelas civilizações modernas e nações industrializadas. Essa segurança no mundo externo nos confere tempo para refletirmos sobre o nosso mundo interno. Agora, que estamos embaixo de um teto,  vestidos, alimentados e medicados, nós podemos suspirar fundo e descobrir o quão incompletos ainda somos como seres humanos. Nós queremos mais do que conforto físico. Nós buscamos, acima de todas as coisas, a felicidade; e dessa maneira que começam as nossas batalhas internas, contra nossos próprios demônios e sentimentos. Mas se você, como um escritor, não tem interesse por conflitos do corpo, da alma e das emoções, ainda assim pode encontrar muito material na miséria e nos conflitos sociais que são rotina em países subdesenvolvidos, onde a maioria da população sofre assolada por doenças e pela violência sem fim.

Mas ainda, se a profundidade e extensão dos conflitos externos e internos não são suficientes para te emocionar, pense nisso: na morte. A morte é como um trem desenfreado, que se move rapidamente em nossa direção, minuto após minuto, segundo após segundo, e que pode chegar entre hoje e amanhã. Se quisermos alcançar qualquer tipo de satisfação na vida, temos que fazer isto antes deste trem chegar até a nossa estação.

Um artista que pretende criar obras que irão durar por décadas ou séculos entende que a vida não se faz de ações minimalistas ou exageradas: a existência não é uma questão simples, mas também não se resume através de conspirações enormes que roubam artefatos nucleares e querem destruir o planeta. As questões mais importantes da vida passam pela busca do amor e do auto-reconhecimento, de trazer serenidade para o caos interno, de buscar algum significado dentro das iniquidades sociais em nossa volta ou de correr contra nosso tempo, que está sempre acabando. A vida é conflito. Esta é a natureza de nossa existência. Cabe ao escritor decidir onde, quando e porque criar e orquestrar uma destas batalhas.