Eu sou Jerusalém.
Sou os olhos secos do cadáver que, enquanto apodrece, observa. Estou balançando nas muralhas, enquanto os Cruzados atravessam os portões construídos com pedra e sangue.
Sou o corvo. Sou o latejar dos dentes. O grito de ódio preso na garganta dos injustiçados.
Sou o último.
Eu sou Londres.
Sou os olhos fechados, e as palavras de sabedoria de um mestre hindu. O vento que rasga o silêncio do Himalaia. O leve balançar dos sinos, mudos, que se erguem acima da cidade bombardeada, infestada pelo cheiro de carniça queimada.
Eu sou Los Angeles
Sou o desejo, o sexo, a cobiça. Sou o prazer disfarçado pela dor. O sorriso amarelo. O jogar de dados. As rodas do moinho. Sou as lágrimas que acompanham o orgasmo. Sou o tempo que não veio. O sonho não realizado.
Sou de Eléia e de Éfeso. Sou a flecha, tensionada, pronta para ser disparada no peito do inimigo. Sou a alucinação desesperada. O pesadelo que nunca acaba. Sou o pressentimento que te persegue nas vielas sujas, em uma madrugada sem estrelas.
O torpor alcóolico. A dança. O sangue. O sacrifício. A fobia irracional. A paixão desvairada. O beijo molhado. O frenesi psicótico. A garganta degolada.
Eu sou o que não é.
Sou a areia que cai na ampulheta. O ruído uníssono. O despertar das multidões. A guilhotina rasgando a carne. A mão esmagando o crânio.
O fogo que consome. O coração que falha. A verdade esquecida.
Tremam, vermes.
A minha hora chegou.
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