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“Caro Scott,

Nós estamos indo para Pamplona amanhã. Estou pescando trutas aqui.

Como você está? E como está Zelda?

Estou me sentindo melhor do que nunca – não bebi nada a não ser vinho desde quando saí de Paris. Deus, é um interior maravilhoso. Mas você odeia o interior. Então não vou falar do interior. Eu estou pensando em qual seria a sua definição de ‘Paraíso’ – um vácuo lindo repleto de monógamos ricos. Todos membros de famílias ricas e poderosas e bebendo até a morte. E o seu Inferno provavelmente é um vácuo feio repleto de pobres polígamos que são proibidos de beber álcool ou com desordens crônicas de estômago e tristezas secretas.

Para mim, o Paraíso seria uma imensa arena de tourada, onde eu sempre teria os dois melhores lugares para assistir ao espetáculo e uma lagoa repleta de trutas do lado de fora, onde para ninguém, além de mim, seria permitido pescar. Eu teria duas bonitas casas na cidade; em uma delas ficaria minha esposa e meus filhos, e eu seria monógamo e amaria os dois verdadeiramente. Na outra casa eu teria nove belas amantes, em nove andares diferentes, e a casa inteira seria recheada com cópias especiais da revista The Dial impressas em papel macio, e mantidas em banheiros espalhados por todos os andares. Na outra casa, nós usariamos para nos limpar a American Mercury e a New Republic. Então existiria uma bela igreja – como a de Pamplona – onde eu pudesse me confessar, e o lugar ficaria entre uma casa e outra, e eu chegaria até lá no meucavalo, e andaria nele com meu filho até a minha fazenda de touros chamada ‘Hacienda Hadley’ e jogaria moedas para meus filhos bastardos que vagariam pelas estradas.

Eu escreveria em paz na Hacienda, e de lá mandaria meu filho sair para colocar cintos de castidade nas minha amantes quando ficasse sabendo da notícia que um notório monôgamo chamado Fitzgerald estava chegando ali, na companhia de diversos amigos bêbados.

Estamos indo amanhã para a cidade. Me mande cartas para o Hotel Quintana/ Pamplona / Espanha.

Ou você não gosta de escrever cartas?
Eu gosto, porque esta é uma boa maneira de não trabalhar,
e mesmo assim sentir que você está escrevendo alguma coisa.

Até logo, e mande nosso amor para Zelda.

Sinceramente,

Ernest”

Carta de Ernest Hemingway para Scott Fitzgerald,

enviada no dia 1 de junho de 1925