“Felicidade, para mim, é ter um pincel na mão”, a frase, supostamente dita por Michelângelo, resume o sentido de sua vida e obra, cercada de polêmicas, brigas e lampejos de muita genialidade. Michel não era lá um cara muito bacana. Extremamente afetado, perfeccionista e irritante, o artista brigou com todo o mundo para fazer as coisas do jeito que queria, como queria, e quando queria. Não se dava bem com ninguém, nem com Deus (literalmente, o Papa Julio II). Quando aceitou a missão de pintar o teto da Capela Sistina, dispensou imediatamente todos os seus oito assistentes “eles são incompetentes demais”, gritava, quando o próprio Papa insistiu que seria impossível pintar toda a capela sozinho.
Só para provar que todos estavam errados, foi exatamente isto que Michelângelo fez. Todos os dias, trabalhando durante 12 horas, ele pincelava minuciosamente o teto da imensa capela; mesmo fazendo um dos maiores trabalhos artísticos da humanidade, durante dois anos ele não recebeu nenhum tostão, e não se importava muito com isto – sua família reclamava, passando dificuldade, mas dentro das paredes da Sistina, Michelângelo sabia que estava trabalhando em uma obra maior do que si mesmo, que ficaria imortalizada através dos séculos. Algumas vezes, o ‘patrão’ Julio II iria visitá-lo, e alfinetava: “quando vai ficar pronto?”, Michelângelo, insolente, respondia: “Quando eu acabar, está pronto”. Essas visitas frequentemente acabavam em brigas, com o artista mandando o Papa para o inferno e, diz a lenda, sendo perseguido pelo velho Julio, que tentava acertar no herege alguns golpes de cajado. A história conta que um dos padres perguntou para o Papa porque ele aguentava os caprichos maníacos de Michelângelo, e ele respondeu: “Esse homem é um gênio. Ele está perdoado”.
Depois de terminar de ler as últimas páginas da biografia de Paul Steve Jobs, acredito que não seja exagero comparar o seu caráter com o de Michelângelo. Afinal, Jobs foi mais do que um hippie da Califórnia que ficou zilionário. Se conseguirmos enxergar para além de seu temperamento irregular, sua prepotência e comportamento obsessivo, vislumbramos um homem que era movido por um profundo espírito artístico; alguém que se preocupava, acima do seu próprio dinheiro ou saúde, em fazer algo de belo para deixar para a humanidade. Ele conseguiu – muito devido ao seu poder de argumentação fantástico – Jobs moveu montanhas e alterou definitvamente o mundo em que vivemos. Ele é um gênio, e está perdoado. Abaixo, copiei as últimas linhas do livro, escritas pelo próprio Jobs como uma espécie de “epitáfio”.
* depoimento do próprio Jobs, retirado da biografia “Steve Jobs”, de Walter Isaacson
“Não acho que eu gerencio espezinhando as pessoas, mas se algo não presta eu digo na cara. Minha tarefa é ser honesto. Sei do que estou falando e quase sempre tenho razão. Essa é a cultura que tentei criar. Somos brutalmente honestos uns com os outros, e qualquer pessoa pode dizer que sou um grande merda e eu também posso responder o mesmo. Tivemos algumas discussões acaloradíssimas, em que berramos uns com os outros, e foram alguns dos melhores momentos da minha vida. Sinto-me completamente à vontade para dizer: “Ron, esta loja está uma bosta” na frente de todo mundo. Ou posso dizer: “Minha nossa, nós realmente fizemos uma cagada com a engenharia deste aqui”, na frente da pessoa responsável. É a condição para estar na sala: ter a capacidade de ser super-honesto. Talvez haja um jeito melhor, um clube de cavalheiros, onde todos usem gravatas, empreguem termos eruditos e falem em veludosas palavras-códigos, mas este não é meu jeito, porque sou um sujeito de classe média da Califórnia.
Para inovar, é preciso ir em frente. Bob Dylan poderia ter cantado canções de protesto a vida inteira, provavelmente ganhando muito dinheiro, mas não o fez. Tinha que seguir em frente, e por isso, ao usar a guitarra elétrica em 1965, se indispôs com muita gente. Sua turnê da Europa em 1996 foi a melhor de todas. Ele chegava, tocava guitarra acústica e a platéia adorava. Depois aparecia com o que seria The Band, tocava a guitarra elétrica e a platéia às vezes vaiava. Há um momento em que ele se prepara para tocar “Like a Rolling Stone” e alguém na platéia grita: “Judas!”, e Dylan diz: “Vamos tocar essa porra bem alto!”. E eles tocam. Os Beatles também eram assim. Continuaram evoluindo, refinando sua arte. É o que sempre tentei fazer – seguir em frente. Do contrário, como diz o próprio Dylan, não estamos ocupados em nascer, estamos ocupados em morrer.
O que me incentivava? Acho que a maioria das pessoas criativas quer manifestar seu apreço por ser capaz de tirar partido do trabalho feito por outros antes. Não inventei a língua ou a matemática que uso. Preparo pouco da comida que como, e nenhuma das roupas que visto. Tudo o que faço depende de outros membros de nossa espécie e dos ombros sobre os quais ficamos em pé. E muitos de nós querem dar uma contribuição para nossa espécie também e acrescentar alguma coisa ao fluxo. Tem a ver com tentar expressar algo da única maneira que a maioria de nós é capaz de fazer – porque não somos capazes de escrever canções como Bob Dylan, ou as peças de Tom Stoppard. Tentamos usar os talentos que temos para mostrar nosso apreço por todas as contribuições feitas antes de nós, e para acrescentar algo ao fluxo do Universo. Foi isso que me motivou.”
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