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Categoria: Texto

Lines to a Girl 5 Days After Her 21st Birthday

Back to the Palace

And Home to a stone

She travels the fastest

Who travels alone

Back to the pasture

And home to a bone

She travels the fastest

Who travels alone –

Back to all nothing

And back to alone

She travels the fastest

Who travels alone

But never worry, gentlemen

Because there’s Harry’s Bar

Afderas on the Lido

In a low slung yellow car

Europeo’s publishing

Mondadori doesn’t pay

Hate your friends

Love all false things

Some colts are fed on hay

Wake up in the mornings

Venice still is there

Pigeons meet and beg and breed

Where no sun lights the square

The things that we have loved are in the gray lagoon

All the stones we walked on

Walk on them alone

Live alone and like it

Like it for a day

But I will not be alone, angrily she said

Only in your heart, he said. Only in your head.

But I love to be alone, angrily she said.

Yes, I know, he answered

Yes, I know, he said.

But I will be the best one. I will lead the pack.

Sure, of course, I know you will. You have a right to be.

Come back some time and tell me. Come back so I can see.

You and all your troubles. How hard you work each day.

Yes I know he answered.

Please do it your own way.

Do it in the mornings when your mind is cold.

Do it in the evenings when everything is sold.

Do it in the springtime when springtime isn’t there

Do it in the winter

We know winter well

Do it on very hot days

Try doing it in hell.

Trade bed for pencil

Trade sorrow for a page

No work it out your own way

Have good luck at your age.

  • texto escrito em 1951 por Ernest Hemingway. Retirado do  livro ‘Ernest Hemingway – Complete Poems’

A Caça

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Naqueles olhos estava contida toda a condição humana.

A bala do rifle calibre .22 atravessou a pele e estilhaçou carne e ossos do imenso roedor, com um estrondo que se tornou ainda mais ensurdecedor por ser no começo da manhã, em um local mergulhado em uma paisagem bucólica. O cheiro da relva, ainda molhada pela umidade da noite anterior, foi substituído por um odor fresco de sangue, um gosto de metal que arranhava o fundo da garganta.

Vinte metros dali, o velho Mazzo apontava sua arma. Estava atento, pupilas dilatadas, com o cigarro pendurado no canto da boca como se fosse um palito de dentes. Relaxou os músculos da coluna, tensos pelo ricocheteio do disparo, e jogou a cabeça para o lado, estralando o pescoço. “Este nunca mais irá comer minhas melancias”, pensou, quase abrindo um sorriso de satisfação. Caminhou até o local onde a carcaça da capivara permanecia imóvel, deitada com um buraco atravessando a sua clavícula direita. Ajoelhou-se ao lado da antiga rival quase com reverência, respirando fundo o ar da manhã, “Este vai ser um bom dia”, pensou para si mesmo, antes de desembainhar a faca que carregava no coldre de couro gasto.

Mazzo limpou o suor da testa com a manga da camisa enquanto, com mãos magras e habilidosas, escalpelava o animal. Havia aprendido com seu pai, muitos anos atrás, que o segredo da carne macia estava em imediatamente arrancar a pele do bicho morto, sem deixar que as fibras ficassem duras por falta de oxigênio. Nunca descobriu se aquilo era verdade, realizava o ritual por força do hábito – sempre com o mesmo facão, que os anos de uso roubaram o fio da lâmina.

As nuvens cortavam o céu azul e plantações se estendiam indefinidamente. Naquele momento o vento suspirava, fazendo com que as espigas dos trigos dançassem uma melodia silenciosa. Mazzo carregava um saco de lixo preto e a espingarda sob os ombros, caminhando em direção à pequena casa, contornada pela cerca de madeira descascada, com tinta velha e gasta. Os porcos se agitaram, grunhindo com a chegada do dono. O velho passou pelo chiqueiro improvisado e largou, com certa dificuldade, o saco de lixo em cima da pia, deixando a espingarda encostada na porta de madeira que abria para a cozinha. Fora de perigo a leitoa se calou, chafurdando na lama.

Mazzo separou algumas ervas que cresciam na terra organizada em potes de margarina. Pegou um facão limpo e uma tábua, preparando os ingredientes. “Ainda tenho tempo”, pensou. Enrolou e acendeu um cigarro de palha, sentado em uma cadeira de praia que nunca havia visto o mar; o reconfortante sabor de nicotina arranhou sua garganta. Talvez chovesse mais tarde. Não importava. Esperou. Fechou os olhos. Esperou a fome. Esperou que as folhas da amoreira de seu quintal caíssem. Esperou por um sentimento que nunca saberia descrever.

Acordou assustado de um sono sem sonhos, as cinzas do cigarro espalhadas pelo chão e em parte de sua camisa. O sol do meio do dia aquecia as telhas de barro, e Mazzo sentiu um suor frio descer pela testa. Apoiando as mãos no apoio de metal de cadeira, levantou-se com um gemido. “Merda”, murmurou, descontente consigo mesmo. Não existe nada mais terrível do que ser derrotado pelo próprio corpo. Abriu a geladeira e alcançou uma cerveja morna, ainda sonolento, e caminhou até o sofá da sala. Começou a beber, a TV desligada. Um trator passava longe dali, mas hoje não era dia de trabalho. Deu mais um gole na cerveja, sabendo que inevitavelmente seus pensamentos iriam levá-lo para o rosto de Izabel.

Tentou lembrar de outra coisa; tentou passar os olhos na capa da revista de três meses atrás, pensou no chuveiro que tinha que consertar, respirou o ar puro de um domingo de manhã. Pensava em Izabel. Podia jurar que a casa ainda exalava o perfume doce daquela presença desgraçada. Já faziam três anos. “Puta ingrata”, rangia entre os dentes e com um peso no peito – já não se importava com sua ex-mulher ou com os filhos que nunca visitavam, para o inferno com eles; Izabel era a ferida no céu da boca, um fantasma que se transformava lentamente em uma bola de pus, ódio e sangue.

O ardor do uísque barato desceu em um gole só, servindo como imenso consolo. “Afogar as mágoas”, murmurou. Caminhou sem rumo pelo corredor da velha e pequena casa, ida e volta, olhou para os móveis e abriu as gavetas com a mão direita, enquanto a outra segurava a garrafa pela metade. Havia uma foto – uma única foto, perdida entre papéis amarelados e moedas de cinco centavos. Ele colocou os olhos sob Izabel: cabelos loiros nos ombros, sorrindo na mesa de jantar e abraçada por alguém que sorria. Era Mazzo e não era Mazzo. Durante algum tempo, aquela foto talvez significasse alguma coisa. Agora, nada. Ele não lembrava nem do seu sorriso, nem do barulho que ela fazia ao gozar e nem do choro desesperado da última paixão de sua vida. Deitou na cama e fechou os olhos, dando um longo gole no uísque sem gelo e sem conforto, deixando a foto escorregar por entre os dedos.

“Puta ingrata”.

Nuvens negras cobriam o céu da noite silenciosa e as estrelas se escondiam, anunciando a chegada de uma tempestade. O facão cortou a carne morna, e o que antes era uma capivara se transformava, golpe a golpe, em um monte de tripas. A navalha desceu mais uma vez, com força redobrada, atingindo um osso da clavícula. A bala ainda estava alojada por ali e o velho buscava, com seus dedos magros, o contato com o metal. O mal cheiro era disfarçado pela fumaça de mais um cigarro de palha e pela panela no fogo, que borbulhava com água quente misturada com tomilho e hortelã. Mazzo retirou cuidadosamente um grande filé da parte posterior do bicho, o resto embrulhado em plástico para guardar no freezer.

Um prato, um garfo e um copo de cachaça. Serviu a si mesmo e mastigou lentamente o resto do roedor, experimentando um sabor que lembrava o de porco cozido. Enxaguou a refeição com cachaça, e mastigou novamente. Não tinha muito sabor. Sentiu um formigamento no ombro e engoliu em seco, ouvindo o barulho do próprio estômago. Tinha o olhar fixo na parede vazia, na cor palha repleta de rachaduras causadas pela infiltração; qualquer casa – assim como qualquer homem – possui cicatrizes invisíveis.

Lá fora, a chuva fina começava a cair como um preâmbulo do inevitável temporal. Um estalido seco, como o de um trovão, ressoou pela fazenda.  Em seguida, grunhidos estridentes dos porcos.

Ao redor, apenas o silêncio.

VHS

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Para mim, era um momento quase religioso. O culto acontecia nas noites de sexta ou sábado, quando aquele garoto de óculos fundo de garrafa e cabelo cortado no estilo ‘papa capim’ se aventurava pela esburacada rua Cerro Corá, de mãos dadas com sua avó, pronto para entrar em um de seus lugares favoritos de todo o mundo.

Hoje, abandonada e parcialmente destruída – com pichações de símbolos anarquistas no mesmo lugar onde ficavam os pôsteres dos “Últimos Lançamentos” – a ‘World of Video’ já não faz jus ao seu nome. Antes, ela tinha cheiro de ar-condicionado e plástico novo, com prateleiras de ferro iluminadas por luzes brancas e um balcão cheio de balas ‘dentes de vampiro’, ou daquelas que coloriam a língua de roxo ou vermelho. Eu ficava passeando entre as fileiras, observando as capas das fitas VHS e pegando as que eu achava mais legais; este era o critério máximo na época, uma caixa ‘legal’ me bastava.

Depois de escolher minuciosamente, eu carregava uma montanha de fitas para um tio gordo e barbudo que ficava no caixa, sempre vestindo camiseta do Batman ou do Super-Homem: com um jeito de oráculo das minhas escolhas, ele olhava o que eu alugava e sempre soltava um palpite lacônico – para os filmes bons, balançava a cabeça e dizia “Esse é fera, meu!”, para os ruins, apenas resmungava um “hum”, limpando a garganta. Ele acertava na maioria das vezes.

E assim, sempre julgando o filme pela caixa, é que eu lembro de ter passado centenas de horas dos meus fins de semana em São Paulo comendo bolo de chocolate da padaria e assistindo clássicos como “Gremlins”, “Corra que A Polícia vem Aí” e “Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica”. É, eu me esquecia de mim mesmo naquela pequena sala de TV do apartamento, que continua igual até os dias de hoje, vinte e poucos anos depois.

Eu já morava em Londrina na época, mas nunca morei perto do centro, e a tal da Delta Video era um sonho distante – ficava para além das montanhas do Jardim Quebéc. Depois que cresci um pouco, já pegava minha bicicleta ou pedia carona para meus pais para entrar naquele outro templo da mesma igreja; agora, os DVDs já tomavam o espaço das velhas fitas VHS e as plaquinhas de “Rebobine, por favor” já não faziam tanto sentido. Continuava sendo uma experiência meio mágica; nesta idade, eu já havia aprendido que as melhores coisas talvez estivessem escondidas nos cantos, longe da seção dos ‘Lançamentos’. Foi uma época fértil – “Indiana Jones”, “De Volta para o Futuro”, “Star Wars”, “Scarface”, a trilogia do “Godfather”, etc.

Admito que também alugava um ou outro filme de comédia romântica ou de terror sanguinolento para assistir com as menininhas do colégio (sim, garotas, ‘ver um filminho’ era minha armadilha preferida para ficar no escuro com vocês) mas já conseguia perceber que muitos desses filmes não serviam para mim. O que me interessava mesmo eram os salmos mais profundos, apócrifos meio esquecidos que a Delta escondia no seu acervo, raridades que pareciam dedicadas apenas aos fiéis mais fervorosos; lembro até hoje a impressão que me foi deixada pelos ‘Sete Samurais’ de Kurosawa. Porra. Como explicar aquilo?

Na semana passada, eu caminhei novamente pela calçada da extinta ‘World of Video’. Agora, aos olhos adultos daquele mesmo garoto, a locadora destruída parece um lugar pequeno, sem vida, sem luz. Igual ao Parthenon grego, ali só sobraram ruínas de um brilho do passado. Os antigos deuses já não cantam, amam e dançam por ali.

Talvez por isto que quando fiquei sabendo no final do ano passado que a Delta Video iria fechar suas portas, senti um negócio esquisito no peito. Pobres daqueles que não conseguem entender que uma video-locadora não é apenas um lugar para alugar filmes; uma locadora é o lugar onde as musas do Cinema se manifestam e te seguem com o canto dos olhos. Talvez, ali, naqueles corredores, você poderia se encontrar com algo que iria mudar sua vida definitivamente. Eu sei. Eu encontrei.

Aparentemente, a Delta perdeu a batalha contra uma imensidão de corredores claustrofóbicos, cheia de filminhos do pau-oco comprimidos em .avi, gravados em mídias de um real, vendidos desrespeitosamente dentro de sacolas de plástico e entregues por falsos profetas com mãos engorduradas por coxinhas amanhecidas. Três por cinco, eles dizem. Leva esse novo do ‘Transformer’, eles dizem.

Mas também existe outra coisa no ar. Uma religião que não precisa de templos ou dízimos. E a carta que postei em outro tópico (clique aqui para ler) pode dizer muito mais do que eu sobre o assunto.

Este texto, na verdade, é apenas minha singela homenagem aos pisos de granito de um espaço que fez tanto parte da minha vida. Deusa Delta, eu pensava que, talvez um dia, meu filme pudesse estar em suas prateleiras. Mas os tempos mudam. Impérios caem. Lojas fecham.

Apenas os sonhos permanecem.

Em nome do Scorsese,

Do Fellini,

e do Spielberg Santo,

Ação!

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